domingo, 28 de agosto de 2011

Garçonete (Waitress, 2007)

Longe de ser aquilo que a capa do DVD promete, Garçonete (Waitress, 2007), de Adrienne Shelley (1966-2006), não é uma comédia, mas um drama sobre a vida de uma garçonete que trabalha em um restaurante e é expert em tortas. Além de não ser reconhecida em seu trabalho, Jeena (Keri Russel) convive com um marido controlador e violento que a agride verbalmente e espanca, Earl (Jeremy Sisto). Certo dia, o marido a deixa embriagada e a engravida, mas Jeena esconde até que um dia ele resolve atacá-la e para defender-se acaba contando sobre a gravidez. O marido a ameaça, caso ela venha a gostar mais da criança do que dele. Neste ínterim, ela conhece o seu ginecologista e obstetra, Dr. Pomatter (Nathan Fillion) com quem tem um caso e é casado também.  Na maternidade, depois que a filha nasce, Jeena pede divórcio ao marido que tenta agredi-la, sendo contido pelo médico e enfermeiros.

Keri Russel
No entanto, um gesto mudará a vida de Jeena. Antes do parto, o dono do restaurante Joe (Andy Griffith), que está no mesmo hospital para uma cirurgia, entrega um envelope a Jeena, contendo um cartão com o seu rosto desenhado, além de um cheque com o qual ela compra o restaurante pertencente a Joe e recomeça a vida, aliás mensagem que está no verso do desenho deixada por ele.

O final do filme, quando Jeena sai de seu restaurante,  a câmera focaliza uma estrada - metáfora muito comum em filmes, simbolizando um caminho aberto, percurso da vida a ser trilhado -com a mãe e filha ao centro andando de mãos dadas. As duas neste momento vestem roupas idênticas, um vestido amarelo com avental branco.

Adrienne Shelley
O filme trilha a história de vida de uma mulher que mesmo nas adversidades não perde a generosidade, o que a aproxima do dono do restaurante, uma pessoa que não atrai muita simpatia. A sua estratégia de vida a conduz a conquistas, como a de vencer um concurso de tortas, e de obter o reconhecimento e a amizade de Joe, dono do restaurante, que lhe deixou um cheque valioso antes de morrer (embora o filme não mostre isso, apenas informa que ele entrou em coma). A generosidade do dono do restaurante, um velho que se auto-definia como uma "galinha sem cabeça", foi despertada pela forma que Jeena o tratava. Mesmo com um marido agressivo e vivendo o desespero de ver seu sonho ruir com a gravidez, chegando mesmo a não desejá-la, Jeena procurava ser bondosa, o que foi estratégico para a sua sobrevivência.

Keri Russel, Adrienne Shelley e Cheryl Hines
O filme é dramático, embora leve em algumas passagens, mas extremamente tenso. Diante de uma situação opressora, a mulher sem dinheiro, e com baixa auto-estima, mesmo com talento, não tem forças para sair do círculo de dependência, sobretudo fragilizada com a gravidez. Uma forma de driblar e sobreviver é evitando o confronto e desviar-se da tristeza, o que ela consegue quando se torna amante do seu ginecologista de quem recebe atenção e carinho. O filme desloca um happy end convencional em que a mulher termina feliz ao lado de um homem, apontando para outras formas de realização: via maternidade e profissão, pois a personagem consegue se tornar uma empresária no mesmo momento em que se torna mãe. Neste sentido, a presença masculina torna-se secundária, dando ênfase a relação mãe-filha e as relações de amizade entre a protagonistas e suas colegas de trabalho e amigas. É um olhar feminino e diria feminista, de um jeito suave de ser feminista.

Ficha Técnica
título original:Waitress
gênero:Drama
duração:1 hr 47 min
ano de lançamento: 2007
estúdio: Night and Day Pictures
distribuidora: Fox Searchlight Pictures
direção: Adrienne Shelly
roteiro: Adrienne Shelly
produção: Michael Roiff
música: Andrew Hollander

Vale resslatar que a diretora, que também atua como uma das garçonetes, faleceu em 2006, um ano antes do lançamento do filme.

A atriz Cheryl Hines, a outra garçonete, dirigiu outro filme dramático, roteirizado por Adrienne Shelley, intitulado no Brasil de "Armadilhas do Amor", 2009, com Meg Ryan e Timothy Hutton.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

GÊNERO E PODER NOS FILMES DIRIGIDOS POR HOMENS

No blog Cinema e Educação, postei um texto reflexivo sobre o discurso de poder com base nas relações de gênero a partir de filmes de ação voltados para o público adolescente e jovem (mas vistos por adultos): O Quarteto Fantástico, A Batalha de Riddick, X-Men: o confronto final e King Kong. Acesse o blog e tenha uma boa leitura

http://cinemaeeducacao-uneb.blogspot.com/2011/08/doutorado-sequencia-filmica.html

domingo, 14 de agosto de 2011

ESTUDO DOS FILMES DIRIGIDOS E ESCRITOS POR MULHERES


Em seu livro As Principais Teorias do Cinema – uma introdução, J. Dudley Andrew elabora um estudo com base nos autores, seguindo a mais conhecida corrente teórico-metodológica dos Estados Unidos: a teoria do autor. A partir da escolha dos nomes dos diretores, traça-se um percurso pautado nos aspectos aristotélicos sobre matéria-prima, métodos e técnicas, formas e modelos e objetivo e valor. Para Andrew, esses aspectos são formativos do cinema e podem ser examinados em qualquer situação.

A matéria-prima corresponde a tudo que constitui o cinema, isto é, que pode dar origem ao cinema, ao filme: iluminação, fotografia, roteiro, sala de projeção, veículo, cores. Do que é feito o cinema? Quais os elementos essenciais, principais para se fazer cinema?

Os métodos e técnicas são aspectos que dizem respeito a maneira de obter um resultado, nesse sentido, fílmico. Esse item é muito importante, pois é através da escolha de um procedimento metodológico e técnico que se apreende muito sobre a visão do diretor, ao mesmo tem em que constrói uma atmosfera psicológica, de efeito sobre o espectador. Exemplo: que efeito teria sobre o espectador, o fato da personagem se dirigir à câmera, como se estivesse conversando com o espectador? Que efeito o diretor quer dar? Por que utilizar essa técnica? Exemplo2: que sentido teria um filme todo ambientado na sala escura de uma casa onde somente alguns membros familiares se comunicam? E mais: tendo como voz narrativa um personagem que está fora do ambiente, mas membro da família.

Já as formas e os modelos cuidam da estrutura narrativa, da arquitetura propriamente dita. Exemplo: Qual a forma do filme: um curta ou um longa? Qual o gênero? Qual o tema?

O objetivo e valor correspondem ao propósito do filme e tem relação com a vida humana, com as práticas sociais. É apenas entretenimento? Tem função pedagógica? É político? A discussão temática traz alguma contribuição para a humanidade?

Esses aspectos podem nortear os estudos sobre cinema, mas precisam de outros elementos igualmente importantes que podem interferir nas escolhas. Questões econômicas, por exemplo, e culturais podem obrigar diretores e roteiristas a decidirem por alguns elementos e não por outros. Pensemos nas produções feitas por diretoras e roteiristas mulheres ou nos filmes de animação após a revolução da informática com seus programas em 3D ou dos efeitos especiais como um todo e a sua importância em termos de efeito para o espectador. Considerando os estudos de gênero, levanto algumas questões fundamentais para entendermos como se dá a movimentação das mulheres, até então vistas exclusivamente como atrizes, quando resolvem assumir o outro lado, passando a olhar, captar, registrar a sua forma de fazer cinema.

É J. Dudley Andrew que também nos informa sobre a importância da formulação dos questionamentos, e o entrelaçamento das perguntas, para o desenvolvimento dos estudos sobre cinema. Sendo assim, me propus a responder a algumas questões propulsoras para a investigação sobre o objeto de estudo, nesse caso mulheres que dirigem e escrevem roteiros.

1. Como se deu a inserção das mulheres no cinema?
2. Qual l a relação entre o modelo de sociedade e a exclusão de mulheres dos espaços de direção e roteirista?
3. Que poderes existem nesses dois lugares ao ponto de serem pouco ocupados por mulheres?
4. Quais os principais espaços de atuação das mulheres na composição técnica dos filmes? Que relação há entre esses espaços e os papéis sociais?
5. Qual a interferência das mulheres diretoras e roteiristas para o cinema?
6. Quais os temas tratados por elas?
7. Que tratamento é dado a esses temas por elas?
8. Existem um female gaze ou um feminist gaze nos filmes?

Essas questões, assim como outras que possam aparecer, ajudam a elucidar não apenas as razões que levaram as mulheres a levarem tanto tempo sem atuarem nos espaços de direção e roteiro, mas nos ajudam a entender os mecanismos usados pelas mulheres para inserirem as suas vozes, mesmo quando aparentemente elas estejam em consonância com a ideologia que as excluiu desses espaços. Tais aspectos nos ajudam a entender o quanto foi e é difícil fazer parte do seleto grupo de diretores e roteiristas da indústria cinematográfica mais poderosa do mundo e ter os filmes produzidos e exibidos em todos os países.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sua Mãe Sabe Mais ou o discurso da mãe


Você é tão frágil como as flores,
Ainda é uma mudinha e muito nova,
Sabe porque estamos nesta torre?
Isso aí, para manter você sã e salva,

Este dia chegaria eu já sabia
Ver que o ninho já não satisfaz,
Mais ainda não, confia coração
Sua mãe sabe mais!

Sua mãe sabe mais
Ouça o que eu digo
É um mundo assustador,
Sua mãe sabe mais
Cheio de perigos, acredite por favor

Homens do mal, galhos envenenados, canibais e cobras,
A praga sim, insetos enormes, dentes afiados
Pare eu imploro já estou assustada,

Mamãe está aqui, vem que eu te protejo
Deixe de sonhar demais,
Colha o trama vem com a mama
Sua mãe sabe mais!

Vá seja pisada por um rinoceronte
Seja assaltada e largada para morrer,
Só sou sua mãe não sei de nada
Eu só te dei banho, troquei, dei carinho

Vamos me abandone eu mereço,
Deixe que eu morra aqui em paz
Antes do fim você vai ver, vai sim!
Sua mãe sabe mais!

Sua mãe sabe mais
Você por sua conta, não vai saber se virar
Toda desleixada, imatura tonta, eles vão te devorar
Crédula, ingênua, levemente suja, boba e um tanto honrada

E ainda por cima olha que gorducha
Eu só digo por que te amo,
Sua mãe entende, quer te dá ajuda
E só um pedido faz!

Não se esqueça, e obedeça
Sua mãe sabe mais.

Fonte: http://letras.terra.com.br/disney/1844932/

Reflexão:


A letra acima faz parte de uma das músicas da trilha sonora do filme de animação "Enrolados", adaptação do conto de fada Rapunzel, produzido pela Disney em 2011. Se não atentássemos para o contexto, para o lugar de fala, poderíamos arriscar em dizer que a letra desconstruiria uma das representações mais históricas e difíceis de fissurar: a da mãe. A letra mostra as manipulações feitas pela mãe a fim de manter a filha sob a sua dependência e para isso lança mão de subterfúgios como a chantagem emocional, a humilhação, o medo, mas que não podem ser percebidos pelo fato de serem pronunciados pela mãe, atrelado ao discurso afetuoso, criando uma situação paradoxal, mas perfetitamente compreenssível, dentro da estratégia ideológica de escamotear as intenções reais do enunicador, neste caso a mãe.

No entanto, o sistema não deixaria passar tamanha irreverência, tamanho desmonte, e logo nos faz lembrar que essa mãe na verdade é uma "falsa mãe", a madrasta que sequestrou Rapunzel quando ainda era bebê. Sendo assim, a música parece caber direitinho na figura da vilã, já que dificilmente ela poderia ser aceita como enunciado da mãe, embora todas elas lancem mão desses argumentos persuasivos...eventualmente. O filme traz, mais uma vez, uma visão maniqueísta da heroína e vilã separando as ações nobres das mesquinhas em duas pessoas distintas, como se fosse possível que uma pessoa fosse totalmente nobre ou totalmente avarenta. Reforça-se deste modo estereótipos seculares

terça-feira, 9 de agosto de 2011

3º CICLO SALVADOR DE CINEMA

De 31 de Agosto a 4 de setembro, o Ciclo Salvador de Cinema promoverá, na CAIXA Cultural Salvador, 3 cursos de cinema com renomados profissionais do audiovisual brasileiro. As inscrições ficarão abertas de 10 de Julho até 10 de Agosto e a participação está condicionada a uma seleção mediante inscrição, currículo e carta de motivação.

Para esta 3ª edição do Ciclo Salvador de Cinema estão oferecidos os seguintes cursos (sempre em horário integral, de 9h-13h e de 15h-18h):

* Assistência de Direção (dia 31/8), ministrado por Márcia Faria, profissional com dezenas de longas no currículo, tendo feito assistência de direção para cineastas como Walter Salles, Karim Aïnouz e Sérgio Machado;

* Montagem (01 e 02/09) com Karen Harley, renomada montadora de filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo;

* Produção Executiva (03 e 04/09), com o produtor Lula Oliveira, da produtora baiana DocDoma Filmes, e Tereza Gonzalez, produtora executiva de Lisbela e o Prisioneiro, Deus é Brasileiro, entre outros, e professora da pós-graduação Film and Television Business da FGV, no Rio de Janeiro.

Todos os cursos são gratuitos e ocorrerão na CAIXA Cultural Salvador, na rua Carlos Gomes, 57, Centro.

domingo, 7 de agosto de 2011

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS DE FAMÍLIA NO CINEMA DE MULHERES

Nos dois filmes roteirizados por Callie Khouri, O Poder do Amor e Divinos Segredos, o álbum de fotografias aparece como elemento de conexão entre o passado e o presente. Nos filmes, o álbum é mostrado para que as personagens possam entender, compreender a sua história e, assim, perceberem que o presente nada mais é do que uma consequência do passado e, também, uma projeção (de permanência ou ruptura) para o futuro, a ser construído com base na superação ou não resolução dos traumas e desajustes.

Em O Poder do Amor, Grace (Julia Roberts) logo após ter passado por uma decepção em seu casamento (infidelidade), se pergunta como chegou ali, tendo abandonado a sua carreira de veterinária (faltava apenas um ano) para se casar. A irmã pega o álbum e mostra que ela tinha escolhido, e que nada foi um acidente, rompendo com o ciclo de vitimização que envolve a mulher e não a faz sair do ciclo de dor e ressentimentos. O álbum, metáfora da história, documenta as ações e contribui para que a mulher se veja como sujeito responsável pelo seu curso. Já em Divinos Segredos, as Ya-Yas mostram para Sidda (Sandra Bulock) o álbum de fotografia da mãe, com quem a personagem não mantém boas relações. Este fato faz com que a vida pessoal de Sidda seja complicada, transtornada, tendo que conviver com os fantasmas do passado que a atordoam, dificultando a sua relação com o noivo. Mãe e filha não se falam e é justamente através do álbum de fotografias, isto é, com a compreensão do passado de sua mãe, seus problemas e heranças traumáticas, que a filha passa a quebrar a sua resistência, descortinando histórias, sentimentos, sonhos não realizados, passando a entender não apenas o passado, mas o presente também.

O álbum de fotografias também aparece no filme A Casa dos Espíritos, escrito por Isabel Allende, no qual Clara (Meryl Streep) mostra uma caixa a sua filha Branca (Wynona Rider) quando esta expressa sua mágoa pelo pai. A mãe tenta dissipar o ódio da filha, já que o pai também é produto da sociedade, pendindo-lhe que olhasse para trás, para a história, com outro olhar, mais compadecido e menos ressentido. A superação só poderia vir com um olhar de tolerância (que não tem a ver com aceitação), mas apontando para a mudança e instaurando uma nova escrita na história.

O álbum de fotografia tão presente nas narrativas de mulheres trata-se de um objeto fundamental de ligação entre passado e presente das mulheres, uma forma de contar história, a história da cotidianidade, a micro-história, a da família. A construção do álbum está relacionado à experiência feminina, já que as mulheres cuidavam dos registros da intimidade. O álbum é também o ponto de conexão entre as mulheres como pode ser visto nos filmes roteirizados por Callie Khouri e escrito por Isabel Allende.

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...