sábado, 30 de abril de 2011

Lady Marion de Loxley, de Ridley Scott, 2010

 Em geral gosto dos filmes dirigidos pelo britânico Ridley Scott. Tem sensibilidade para desenvolver filmes com temáticas existencialistas, que levam o espectador a pensar em sua condição humana e ao mesmo tempo em que o coloca como responsável pelo seu destino, como Blade Runner, Thelma & Louise, Até o Limite da Honra, e até mesmo os mais “robustos” com Gladiador, A Lenda, 1492: A Conquista do Paraíso e, apenas para finalizar, o último lançado em 2010, Robin Hood. Dificilmente um filme sob a sua direção passa despercebido pelo público.

O filme Robin Hood, uma releitura de um clássico da mitologia inglesa, foi filmado sete vezes para as telas de cinema. Neste último, dirigido por Scott, chamou-me a atenção a presença marcante de Lady Marion, interpretada pela competente Cate Blanchet, que ao lado de Russel Crowe, diga-se um australiano, que encarna o justiceiro de Nottingham, tenta sobreviver à tirania imperial. Se Robin parte para a guerra contra os inimigos, que sem escrúpulos tentam fazer alianças políticas perigosas, Lady Marion luta para manter a propriedade cultivada para a sobrevivência da população, mas que é ameaçada pelo saqueamento autorizado pelo Rei, além das coletas de impostos escorchantes, colocando a população em situação limite.

Comparando a Lady Marion de Kevin Reynolds (1991) com a de Ridley Scott (2010), vemos o quão diferente elas são. A de Scott é muito mais participativa e articulada com as questões sociais e políticas do que a sua homônima de 19 anos atrás vivida pela atriz Mary Elizabeth Mastrantonio, sempre esperando ser salva por Robin Hood. A Marion vivida por Blanchet sabe se defender e não são poucos os momentos em que ela mostra resistência ao patriarcalismo: quando o xerife a beija forçado, ela morde os lábios dele; quando ela tem que dividir o quarto com Robin Hood, ela o faz se lembrar de que dorme com uma adaga, caso forçasse alguma situação; quando a cidade é queimada e a população presa nas habitações, é ela quem a liberta; quando um homem tenta estuprá-la, ela se defende com um golpe que deixa seu opositor desacordado e, por fim, quando o espectador acha que ela esperará por Robin Hood que parte para a guerra, ela aparece ao seu lado em plena batalha usando armadura e desembainhando uma espada.

Neste momento, há um trecho curioso, quando Robin a repreende por estar ali, ela responde com apenas um olhar, ele a entende e se dirige a ela como um soldado, ordenando que entre em combate. Com todas essas atuações, Lady Marion de Scott é muito mais uma mulher aguerrida e talvez mais próxima das mulheres daquela época, ainda sem o filtro romântico burguês que as colocaria como anjos, como ocorre com Lady Marion de Kevin Reynolds. Apesar de Robin Hood centrar em uma personagem masculina, Lady Marion tem participação e presença equilibrada, ainda que apareça menos vezes que Robin de Locksley. A atuação de Cate Blanchet e a composição da personagem que divide a resposabilidade com Robin Hood de evitar que a tirania destrua a população, faz de Lady Marion uma heróína de personalidade forte, destemida, inteligente e ao mesmo tempo sensível. Mesmo sabendo que com a morte do marido perderia a propriedade, se indigna em aceitar Robin de Locksley como marido, a título de disfarce, para que não perca a propriedade que, segundo sugere o sogro, é passada de pai para filho, neste caso ao marido de Marion, morto em combate. O patriarcado aparece na forma da herança das terras e no arranjo de conjugalidade, forçando Lady Marion a manter as aparências para a população. A convivência faz com que Robin Hood e Lady Marion se apaixonem, como não poderia deixar de ser, e ambos passam a viver na floresta devido às perseguições do Rei.

O desfecho mostra Robin Hood ensinando os meninos a manusearem o arco e a flecha, enquanto que Lady Marion aparece tratando da saúde de uma criança. O curioso é que ambos estão entre crianças e, mesmo na floresta, os papéis estão definidos: ela cuida, exerce papel maternal, enquanto ele treina os meninos para a batalha. Por esse final, percebe-se que enquanto Lady Marion estava sozinha, a sua presença era mais forte, mais aguerrida, tendo que defender-se dos inimigos, já que seu marido estava longe, na guerra, e o seu sogro, era um velho cego, ou seja, incapaz de protegê-la. Porém, mesmo com tantas ameaças, Lady Marion consegue livrar-se dos seus inimigos, evocando uma figura com certa força e poder. No entanto, a ameaça estava sempre a sua espreita, como se exigindo a figura masculina para protegê-la, mais especificamente Robin Hood. Quando uma mulher sofre ameaças em um filme, muitas vezes, devido a internalização do modelo, a espectadora é levada incoscientemente a “pedir” a presença masculina, o que obviamente confirma a internalização de um modelo de segurança com base no sistema de representação que a mulher aprende ao longo da vida. Há uma satisfação quando a espectadora vê a heroína se livrando dos malfeitores sem a intervenção de um homem. Mas como o filme é centrado em Robin Hood a figura viril, protetora, tende a projetar-se, mesmo diante de uma personagem marcante e destemida como a Lady Marion de Scott. A cena que mostra a indispensável presença de Hood, acontece quando Lady Marion, durante a batalha, reconhece o assassino do seu sogro e parte para o combate. Robin Hood a vê sendo afogada pelo inimigo. A câmera lenta mostra o grito desesperador do protagonista como se estivesse antecipando a morte da amada e corre para livrá-la da situação. Esta cena gera grande força dramática por causa da técnica do slow motion e pela proximidade da câmera no protagonista.

Depois de destruir o vilão, porque apenas o herói pode fazer isso, Robin Hood eleva Lady Marion nos braços e a conduz para a praia, sendo ovacionado pelo povo, para desgosto do tirano e invejoso Rei. Neste momento, delimita-se os gêneros, deixando claro que nas narrativas centradas no herói, os valores considerados hegemonicamente como masculinos serão ressaltados em relação ao que se convencionou considerar de valores femininos. A força física, por exemplo, é uma delas. O contraste é um elemento constitutivo no constructo de gênero e neste contexto fílmico, em razão do foco da personagem central, as qualidades dele são acentuadas, isto é, qualidades masculinas de um tempo, um lugar e uma cultura específica.

Mas a Lady Marion de Scott se impôs, defendeu, lutou e amou, nada em que não nos reconheçamos.  

Ficha Técnica:
título original:Robin Hood
gênero:Aventura
duração:2 hr 28 min
ano de lançamento: 2010
site oficial: http://www.robinhoodthemovie.com/
estúdio: Universal Pictures
Imagine Entertainment
Relativity Media
Scott Free Productions
distribuidora: Universal Pictures (EUA)
United International Pictures - UIP
direção: Ridley Scott
roteiro: Brian Helgeland, baseado em história de Brian Helgeland, Ethan Reiff e Cyrus Voris
produção: Russell Crowe, Brian Grazer e Ridley Scott
música: Marc Streitenfeld
fotografia: John Mathieson
direção de arte: David Allday, Ray Chan e Karen Wakefield
figurino: Janty Yates
edição: Pietro Scalia
efeitos especiais:Centroid Motion Capture
Hammerhead Productions
Moving Picture Company
Lola Visual Effects
Plowman Craven & Associates


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