segunda-feira, 29 de junho de 2009

TINHA QUE SER VOCÊ (Last Chance Harvey, 2008)


É sempre um prazer assistir a um filme com dois excelentes atores. Dustin Hoffman (Harvey) e Emma Thompson (Kate) contracenam em um filme suave e ao mesmo tempo repleto de conflitos existenciais. Ele, um músico de sessenta anos, que trabalha com jingles, mas que aspirava ser pianista de jazz, divorciado, vai a Londres para o casamento da filha e de onde recebe a notícia de que está demitido, aliás um fantasma que aparece quando vamos chegando à velhice. A substituição por alguém mais jovem (mas nem sempre mais talentoso, como mostra o filme) é inevitável devido ao preconceito geracional que se instalou em uma sociedade onde tudo é descartável e onde a novidade impera. Ela, uma mulher de quarenta anos, que trabalha no aeroporto preenchendo questionários, mas que aspira ser escritora, daí o curso de redação, cuida da mãe, a quem tem apenas como companhia, mesmo sem morar com ela, uma mulher divorciada, que passa o tempo observando um vizinho polonês por quem sente medo e atração.

Harvey e Kate se encontram em momentos difíceis. Ele tinha acabado de ser demitido e ter seu papel de pai substituído pelo padrasto em conduzir a noiva ao altar. Ela teve um encontro amoroso frustrado, pois o homem com quem estava no bar na noite anterior era mais jovem e, o pior, não havia assunto para ambos. É nesse clima que eles passam a se conhecer e tudo muda na vida dos dois. Apesar de tantos problemas pessoais, ambos mantêm a leveza, abrindo-se um para o outro, transformando um encontro aparentemente casual em uma amizade. A cumplicidade e o companheirismo seduziram ambos e a partir daquele momento fortaleceram-se mutuamente. Ele, que havia saído do casamento da filha decepcionado, retorna a pedido dela e ela que havia tido uma noite sem sentido vive um momento de empatia e, finalmente, sintonia com alguém. Motivados mutuamente seguem juntos para a festa de casamento da filha dele.

Kate é uma mulher inglesa introspectiva e cada vez mais pressionada pelas amigas a encontrar alguém, muito comum de acontecer quando se é solteira e já com certa idade. Elas se incubem de armar encontros para Kate, mas que não funcionam. Kate é uma mulher sensível, intelectual, que gosta de literatura. Divide seu tempo com o trabalho, as leituras e um curso de redação. Em sua primeira conversa com Harvey (Dustin Hoffman), a personagem mostra que tem consciência de sua cultura, da influência do código aristocrático vitoriano que imprimiu uma rigidez na forma do ser inglês, atribuindo a Lady Diana os créditos de ter provocado uma fissura nesse código, permitindo maior abertura para uma afetividade, para a exteriorização dos sentimentos. O código vitoriano recebeu uma crítica sutil vindo de um olhar crítico da personagem que reconhece as limitações em que foi educada e busca dar o salto, isto é, sendo direta, revelando-se aos poucos para seu interlocutor igualmente sensível.
Curioso é que nesse primeiro contato de Harvey e Kate, ela está lendo um livro intitulado The Wayward Note, de uma possível escritora chamada Anita Harman. Acontece que o livro não existe. Segundo o site da IMDB http://www.imdb.com/title/tt1046947/faq, o livro e a escritora foram inventados especialmente para o filme, caso contrário, teriam de pagar pelos direitos autorais. De qualquer sorte, escolher uma escritora e não um escritor e um título cuja tradução poderia ser, entre outras possibilidades, Notas de uma Desobediente, ou de alguém que resiste a algo, me parece bastante significativa.

Em meio a tantos relacionamentos fortuitos, o filme “Tinha que Ser Você” resgata um tipo de comportamento entre casais que há muito não vemos, pois com a onda do “ficar” em que apenas o prazer sexual conta, relações pautadas em cumplicidade e companheirismo são cada vez mais raras. Mostra ainda que a vida não é um caminho aberto para ser seguido, mas experimentado. O personagem, mesmo abatido com tantas desventuras, não perde a serenidade e tenta tirar da situação algum aprendizado, mostrando-nos que a vida é um constante aprender, independente da idade. No final, quando ela pergunta a ele onde mora, brincando de preencher o questionário, ele responde que está em transição. Esta palavra é a síntese da vida. Nada é certo, seguro, planejado, a vida vai se desenhando na medida em que vivemos.

Um comentário:

  1. Estou assistindo ao filme, acho que pela quinta ou sexta vez, mas ele é tão apaixonante, que não me canso de assisti-lo. Então, como tbm sou uma leitora, me chamou a atenção o livro que a personagem Kate, lê no filme. Fui buscar a autora no Google, e acabei vindo parar aqui no seu Blog. Que coisa deliciosa. Amei Lúcia, a síntese perfeita que vc fez do filme. Só fiquei triste, pq a autora não existe. mAS VALEU DEMAIS! mUITO OBRIGADA!

    ResponderExcluir

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...