quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O ENVELHECIMENTO EM UMA COMÉDIA-DRAMÁTICA


"Achei o filme muito feminino. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi preciso uma cineasta mulher para ver diferente.” (Isabella Rosselini)



Isabella Rosselini e William Hurt no cemitério
Assisti no dia 04/12 ao filme "Late Bloomers", já referido neste blog, da diretora Julie Gravas. Confirmando o que havia dito antes, o filme trata de uma questão central: o envelhecimento. Os personagens Adam e Mary,  vividos por William Hurt e Isabela Rosselini, respectivamente, formam um casal sexagenário que experimenta todas as mudanças trazidas com o avançar da idade: limitações físicas, lapsos de memória, perda de lugar no campo profissional, perda da visibilidade social, entre outras questões. Acontece que mesmo envelhecendo juntos, a forma de Mary e Adam responderem ao envelhecimento é diferente: ele se preocupa em não perder espaço (e poder) no âmbito profissional, empenhando-se em um projeto arquitetônico para o qual não consegue patrocínio, contando apenas com jovens voluntários que em um determinado momento anunciam a necessidade de um apoio financeiro, de alguém que aposte em um projeto para a construção de um museu. Adam abraça a ideia e dá início ao projeto às escondidas, já que o projeto para o qual foi convidado a desenvolver é um espaço de convivência para velhos, o que ele obviamente evita assumir.


Já a esposa, preocupada com os lapsos de memória, empenha-se em se manter mentalmente em atividade, buscando ressocializar-se, já que não trabalha há muito tempo, diferentemente do marido, e por isso parte em busca de atividades sociais como voluntária para exercitar a memória que ela acredita estar perdendo. Além disso, tenta sentir-se sexualmente atraente, preocupando-se com aspectos relacionados à beleza a fim de se manter visível, o que para a mulher significa ser jovem.



“Não gostava muito de andar em Roma, com os caras assobiando, ou fingindo tropeçar e passando a mão na sua bunda. Sempre achei ameaçador, não me sentia lisonjeada. Quando isso foi embora com a idade, meio que gostei.” (Isabella Rosselini)




Adam passa a conviver com os estagiários e com isso muda a alimentação (passa a comer pizza, beber redbull); altera o horário de dormir (ao virar a noite em um bar); muda o vestuário (trocando a camisa social por uma jaqueta de couro preta), e se nega a ter em casa equipamentos e suportes que o façam se lembrar da idade. A esposa corta os cabelos, faz visitas frequentes ao espelho e resolve, por sugestão médica, fazer atividades físicas. No lugar onde faz natação, conhece um homem que resolve cortejá-la, o que os leva a ter um affair. Adam também tem a oportunidade de viver um momento íntimo, quando uma jovem estagiária se despe à sua frente, mas o ato sexual não se concretiza e o filme deixa transparecer o ponto de vista do personagem que atribui à idade da estudante a não consumação do gesto.

Do ponto de vista de gênero, o filme deixa explícito que a invisibilidade da personagem feminina passa pelo código social que a condiciona a existência da mulher à beleza e, por conseguinte, à juventude. A necessidade do cortejo já aponta para isso, o que não acontece quando o assunto é o trabalho, aparecendo como uma ação que independe de um reconhecimento profissional, como no homem, e mais uma intervenção social. Neste sentido, fica demarcado como a sociedade separa as atividades por gênero, sendo que no filme há um leve deslocamento de peso, já que a atividade voluntária passa a ser mais importante porque corresponde a realidade, enquanto que o projeto quixotesco, de construção de um museu, aparece já destinado a não existir, mal consegue sair da maquete.

Ao escolher o museu, acredito que a diretora buscou metaforizar o desejo da personagem em fixar o tempo, embalsamá-lo, mas já mostrando a impossibilidade. O filme mostra que o velho não tem que viver do passado, mas do presente, daí o centro de convivência aparecer com mais funcionalidade em um mundo que envelhece, mas que não permite que mulheres e homens envelheçam com dignidade, respeitando as suas dimensões humanas. Há uma cena hilariante em que Mary pensativa e deprimida com a sua invisibilidade se nega a aceitar a vaga de assento em um ônibus feita por um jovem.
Do ponto de vista geracional, o filme, ao confrontar mulheres de idades diferentes, destaca a superficialidade das mais jovens, fruto de uma sociedade veloz que não oferece tempo para dar consistência às ideias e ações. Na cena em que Rosselini vai visitar uma organização “filantrópica” e se autodeclara feminista, a jovem a encara sem conseguir disfarçar a sua indiferença, continuando a pronunciar frases aceleradas e vagas. O desrespeito às pessoas velhas que realizam naqiele espaço um trabalho voluntariado fez com que Mary irrompesse indignada de dentro de uma sala.

O filme é uma comédia-dramática ao estilo europeu, sobretudo em se tratando de uma diretora, mesclando questões sérias com leveza. Existem partes do filme que as emoções chegam a se confundir, pois não sabemos se rimos, se ficamos consternados com as dificuldades das personagens em envelhecer ou se contemplamos especularmente o estado de lucidez das personagens sobre o estar velho, o que implica em uma consciência de si em tensão com os sentidos que a sociedade projeta sobre o estado da velhice.



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