terça-feira, 29 de novembro de 2011

Um Lugar Qualquer, Sofia Coppola

Ter um nome famoso pode funcionar como uma senha de acesso, mas se ele não vier acompanhado de talento não se sustenta. Sofia Coppola tem realizado filmes excepcionais, de cunho existencial, com personagens femininas densas, aproximando-a do campo de visão feminista, mas também masculinas o que não a afasta dessa visão política por trazer personagens desempoderados, em crise sobre o seu papel social. Coppola estreou com o longa As Virgens Suicidas, lançado em 1999, esgotado no fornecedor, e na sequência Encontros e Desencontros, de 2003, Maria Antonieta, de 2006 e Um Lugar Qualquer, de 2010.

O mais recente conta a história de um ator de sucesso afetado por um vazio e imensa solidão apesar de sua popularidade e das pessoas que o cercam. A sua vida vê-se modificar quando a mãe de sua filha resolve deixar a adolescente de 12 anos com ele, alterando os seus hábitos que iam desde a mais completa inércia – cenas em que a câmera fixa por alguns minutos o personagem sentado no sofá, estático – até as festinhas e shows eróticos particulares. A filha, durante a sua estadia, passa a acompanhar o pai nos inúmeros compromissos profissionais: viagens, entrevistas, premiações, sobretudo depois de o pai receber um telefonema da mãe informando que precisa de um tempo, forçando-o a conviver por mais tempo com a filha. A presença da filha em seu apartamento (um quarto e sala) cria embaraço quando as mulheres contratadas habitualmente para shows de striptease e para relações sexuais aparecem em seus aposentos. Uma delas toma café da manhã, levando a filha a conhecer uma das amantes do pai.

A menina passa a preparar as refeições do pai e a cada momento se envolve mais no mundo em que o pai vive, o que provavelmente o leva a conduzi-la à Colônia de Férias, desculpando-se por não estar mais presente.

Ao retornar, encerra a conta do apartamento e sai de Los Angeles, cidade onde está localizada Hollywood, portanto de grande circulação de pessoas em busca de projeção, glamour e ilusão, seguindo para um outro local, de paisagem mais árida, desértica, deixando o seu carro no acostamento. O filme termina com o personagem andando em direção a uma estrada desabitada, em busca de um conhecimento de si, da realidade, simbolizado pelo deserto, local simbólico do encontro com o interior. Longe das convenções sociais – na figura de amante, marido ou pai - e dos apelos ilusórios gerados pela sociedade e pelo mundo profissional que projetam o sujeito para um lugar dentro da engrenagem social, a personagem tenta romper a bolha que o prende e sufoca, afastando-se de si mesmo e forjando um outro, imagem e semelhança do seu criador: a indústria cinematográfica. 

Em um mundo de tantas virtualidades, o filme mostra a busca de um homem, um ator de cinema, que parece ter perdido o contato com o mundo real e para resgatá-lo precisa afastar-se deste, desfazendo-se das coisas que o ligam a este mundo: a fixação de moradia, daí ele sair do espaço do apartamento, que o confina, e o carro, um mustang (carro norte-americano, da Ford), símbolo de status e consumo, que é abandonado na estrada.
 
***
O personagem encontra-se sempre dentro de algum lugar: o carro, o apartamento, o estúdio. Mesmo com a filha, ele mantém esse hábito, modificando apenas alguns lugares: a piscina, a pista de gelo, lugares fechados, artificiais. As cenas de movimentos repetitivos aparecem com freqüência: no início do filme, a câmera está parada enquanto o carro da personagem dá quatro voltas na mesma pista que forma uma curva, como se ele estivesse em um movimento repetitivo, indo e voltando para um mesmo lugar. Na outra cena aparece ele sentado no sofá, parado, pensativo e uma terceira dá-se quando ele está com duas gêmeas stripters. Estas cenas são mais emblemáticas, mas o filme inteiro é formado por sequências repetitivas que afeta o espectador pelo marasmo,  pela falta de conexão da personagem com o mundo, embora o filme não seja fastioso. A forma de explicitar isso aparece por meio do prazer visual, voyeurismo, metáfora do cinema, em contraste com a falta de prazer oriunda da desconexão da personagem com a realidade, perceptível quando está fazendo sexo oral em uma mulher e dorme. Os corpos se tocam, mas não são sentidos.

O filme de Sofia Coppola é feminista, apesar de não trazer a mulher no plano central, mas centra-se no homem, completamente perdido dentro de um narcisismo que o lança para fora de si, e o faz contemplar-se em um outro que o aliena.

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