domingo, 21 de março de 2010

UM SONHO POSSÍVEL, (A Blind Sider, 2009)

Assisti há pouco o filme estrelado por Sandra Bullock, vencedora do Oscar de melhor atriz. Um Sonho Possível é um misto de drama e comédia que revisita um tema muito comum na filmografia hollywoodiana: a hitória de um adolescente negro e pobre resgatado por uma família rica e branca. Contudo, essa síntese descontextualizada impede que olhemos o filme de uma maneira mais ampla a fim de que possamos entrever os meandro os possiveis significados a partir da teia complexa que reune simbologias históricas em um momento histórico específico. Essa atualização da memória com seu jogo simbólico nos interessa profundamente.

O esporte aparece no filme como metáfora da vida. Cada jogador tem uma função dentro do campo e cada um deles atua para o sucesso do seu conjunto. É um esporte coletivo, como deveria ser a própria vida. A história de Big Mike, ou Michael Oher, uma pessoa que desenvolveu uma forte inclinação para a proteção acaba sendo acolhido por uma família rica, cristã e republicana. Com o seu zelo pelas coisas, desde a forma de arrumar os lençóis antes de dormir, embora nunca tivesse uma cama, mostra o cuidado que o personagem tem pelas pessoas que lhe acolhem, retribuindo com o mesmo desprendimento, muito embora nunca tivesse na vida recebido qualquer demonstração de carinho. Em outras palavras: a condição social de um sujeito não determina o seu destino, mas a sua forma de ver o mundo e senti-lo. Michael Oher tinha tudo para ser mais um delinquente, mas possui uma atitude digna de um cavalheiro, mesmo sem ter sido educado para isso. No final do filme, quando Leigh Anne (Sandra Bullock) pergunta como ele coseguiu não se "contaminar", ele responde dizendo que a sua mãe biológica nunca havia permitido que ele a visse fumando crack, pedia que fechasse os olhos, ou seja, de seu modo, a mãe de Big Mike protegia o seu filho das coisas ruins da vida, impedindo-o de que simplesmente as visse.

Apesar de não enetender muito de futebol americano não é muito difícil constatar que, como qualquer esporte coletivo, ele possui jogadores com funções específicas. A posição de Big Mike é a de defesa e a sua função é PROTEGER o quaterback, isto é, o jogador cérebro do time, o responsável pelas jogadas, o orquestrador.  Um defensor defende, mas também ataca, depende do momento. Essa experiência de campo é transportada para a vida e vice-versa, a exemplo da cena em que Big Mike tenta fazer uma visita a sua mãe, quando entra em crise com a ua família adotiva. Nessa busca, encontra um dos rapazes do tráfico, seu vizinho, que  lhe oferece uma bebida. No decorrer da conversa, o rapaz insinua que Big Mike tenha tido relações sexuais com a filha de Bullock, buscando incitar nele sentimentos de desejo, dando a idéia de que aquele jovem traficante teria inveja de Big Mike e por isso estaria provocando uma situação que certamente o afastaria de tudo que aqueles jovens drogados poderiam ter ou até mesmo queriam: uma vida tranquila e confortável.

Acredito que o Oscar foi dado a Sandra Bullock muito mais pelo fato da personagem personificar a nação norte-americana, atualizando a representação da nação no corpo da mulher, alusão histórica, por sinal. A metáfora da mulher-nação, bastante sedimentada na cultura ocidental, desde que os estados modernos passaram a existir, reaparece neste filme. Leigh Anne/Sandra Bullock é uma mulher rica, bem-sucedida, cristã, protetora, independente, que acredita na força transformadora. Foi olhando para o ponto cego da sociedade que teve a iniciativa de mudar a situação social de um adolescente. Sandra Bullock não ganhou o Oscar por sua brilhante atuação dramática em 28 Dias (28 Days), em que faz o papel de uma viciada reclusa a uma clínica de recuperação, mas acabou sendo premiada como uma esposa e mãe exemplar de classe alta que resolve adotar um adolescente pobre e negro. Em tempos de Obama, filmes que narram a esperança e a generosidade vêm em boa hora, chamando a atenção para as classes abastadas por meio do discurso que parece ser legível para esta classe, muito embora ela mesma trate de fazer a lavagem cerebral para que esse ponto cego permaneça invisível às pessoas. Uma cena exemplar é quado Bullock está almoçando com algumas mulheres da sociedade e uma delas diz ter saído da mesma condição social de Big Mike. No entanto, o fato de ter enriquecido parece ter desenvolvido nela uma alienação, levando-a a distanciar-se de suas origens. É interessante como o relativismo aparece no filme para mostrar que nem todo rico/branco é alienado e desumano, neste caso representado por Bullock, e nem todo pobre/negro é bandido, aqui representado por Big Mike. Quando os dois lados se encontram, ambos se melhoram.  

A personagem Leigh Anne Touhy nos dá uma idéia de como é completamente alheia a realidade social do país, pois o seu mundo gira em torno de sua família e seu trabalho de decoradora que, por sinal, quase não aparece no filme. O seu papel de mãe e esposa são mais enfatizados. É muito estranho como ela consegue manter uma casa enorme, pode-se dizer uma mansão, rigorosamente limpa apenas com um marido e dois filhos - uma criança e uma adolescente - sem mencionar que eles não ajudam nas tarefas de casa. São várias as cenas em que Bullock aparece pondo a refeição à mesa. No entanto, a cozinha é um cenário que não é mostrado, só a sala. Nem mesmo aparece ela preparando o almoço ou jantar e muito menos arrumando a casa. Além disso, veste-se impecavelmente em casa com cores claras e maquiagem suave, bem ao gosto burguês.

Quem limpa aquela casa? Quem faz a comida? Não há empregadas. É a esposa e mãe dedicada que consegue cuidar da família, da casa e do trabalho. Uma mulher aparentemente feliz em ser "multitarefa", como ela mesma se autodefine ao marido.

A vida de Leigh Anne é restrita a sua esfera social e essa limitação é vista nas  perguntas que faz a Michael, completamente despropositadas, como: sua mãe nunca leu estórias para você? ou você vai passar o Dia de Ação de Graças com a sua família? ou ainda quando se espanta ao se referir ao tipo de tecido presente nas roupas usadas pelas pessoas pobres - "de plástico".

As instituições como a família e a escola aparecem como alicerces na formação do jovem, mas, curiosamente, apesar de não ter tido uma família estruturada e uma escola que o apoiasse, Michael não segue o que lhe parece ser o caminho previsível. O livre-arbítrio, tão ao gosto da cultura cristã norte-americana, lhe orienta para outro sentido: ele não é violento, a menos que ofenda a sua família, é amoroso, protetor, gentil, qualidades que nunca havia experimentado ao longo de sua vida, ao contrário, mas ele não se deixou levar pelas adversidades que a vida lhe impunha. Digamos que ele tem as mesmas qualidades de um Edward Cullen (personagem vampiro do filme Crepúsculo). Se por um lado o filme foca a família e a escola como espaços fundamentais para o desenvolvimento do caráter da criança e adolescente, o Estado aparece como omisso e alienado. Quando Bullock questiona o péssimo serviço de um setor público, pedindo para falar com o chefe, a atendente aponta para o quadro de George W. Bush. Uma crítica aos republicanos? Bem, mas é uma republicana que resolve adotar um jovem negro e pobre.

A personagem vivida por Bullock é uma mulher corajosa, determinada, com grande poder de influenciar as pessoas pela força de seu argumento ou simplesmente por um capricho convincente dada a forma segura de defendê-lo. Ela observa, pensa e age, não perdendo uma decisão. Foi assim que ela orientou Michael a jogar, usando os próprios jogadores como se fossem membros de sua família. a idéia que que Mike protejesse cada jogador de seu time como se fosse as pessoas de sua família.

Ao mesmo tempo em que demonstra uma personalidade forte, a personagem vivida por Bullock também é afetuosa e generosa. As referências à religião cristã aparecem nas expressões e nos rituais como o Dia de Ação de Graças e Natal. Além da questão religiosa bastante forte, há a questão política latente, já que a família que acolhe Michael é do Partido Republicano, partido historicamente formado por protestantes, brancos e empresários. Esse dado fica bastante claro quando a preceptora de Michael, uma professora universitária, vivida pela excelente atriz Kathy Bates, confessa que pertence ao partido Democrata, formado historicamente pelas minorias sociais, sindicatos, intelectuais e artistas. O tom solene da conversa e a reação silenciosa de Bullock mostram que ali estavam duas pessoas de posições políticas diferentes, mas unidas por uma causa comum.

É um filme que não é extraordinário. Traz uma série de lugares-comuns, mas que precisa ser analisado em seu contexto sócio-histórico, pois parece que há um discurso ideológico de reestruturação social por meio de um resgate aos valores cristãos e burgueses, o que a crítica norte-americana Paulie Kael chamava de neovitorianismo. Olhando para Leigh Anne e a Mítica Feminina de Betty Friedan sinto a presença forte de um novo arranjo de mulher totalmente irreal. A mulher perfeita seria a mesma dos anos 50, mas sem o confinamento à esfera doméstica, o que poderia aparentar uma possível trégua às feministas, mas se pensarmos no absurdo de manter-se com aparência impecável, com uma casa igualmente impecável e postura idem, não dá para acreditar que isso possa ser possível dentro de condições humanas normais. Esse sonho parece impossível, mas que parece agradar o imaginário dos produtores de sonhos.

Os sonhos só se tornarão possíveis se as pessoas - ricas e pobres - olharem para os pontos cegos da vida, para aqulilo que lhes aparece invisível, mas que se abrem como esperança de dias melhores.

FICHA TÉCNICA:

Diretor: John Lee Hancock
Elenco: Sandra Bullock, Tim McGraw, Kathy Bates, Quinton Aaron, Lily Collins, Jae Head, Rhoda Griffis, Ray McKinnon.
Produção: Broderick Johnson, Andrew A. Kosove, Gil Netter
Roteiro: John Lee Hancock, baseado em livro de Michael Lewis
Fotografia: Alar Kivilo
Duração: 128 min.
Ano: 2009
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Warner Bros.
Estúdio: Alcon Entertainment / Warner Bros. / Zucker/Netter Productions
Classificação: 10 anos

2 comentários:

  1. assisti é muito triiiiiiiiiiiiiii............
    ameiiiiiiiiiii!!!!!!!!!....
    show di bola................
    bjj

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