terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dirigir filmes: uma tarefa penelopeana

Sandra Werneck, aos 58 anos, tem despontado como uma das diretoras brasileiras mais atuantes no momento. Os filmes sob a sua direção em geral são bem aceitos pelo público: Pequeno Dicionário Amoroso (1997), Amores Possíveis (2001), Cazuza - O Tempo não Pára (2004), Meninas (2006), Sonhos Roubados (2009). Os dois primeiros seguem um filão holywoodiano das comédias românticas, mas os três últimos possuem carga dramática mais densa. No entanto, sabemos o quanto é difícil adentrar no espaço da direção. Uma das mais conhecidas e antigas, Suzana Amaral, aos 77 anos, dirigiu quatro filmes, o que mostra a grande dificuldade no Brasil para as mulheres atuarem como diretoras.

Para se ter uma idéia, um diretor da mesma geração, Nelson Pereira dos Santos, 81 anos, dirigiu vinte e oito filmes; Ruy Guerra, aos 78 anos, dirigiu dezoito filmes; Bruno Barreto, da mesma geração que Sandra Werneck, com 54 anos, já dirigiu vinte filmes. Isso apenas para mostrar de uma maneira panorâmica que a linguagem tem sido dominada e controlada pelos homens, principalmente a linguagem artística. Na literatura, o cânone foi construído a partir de critérios para qualificar as obras. As antologias, tão usadas nas escolas, traziam sempre os mesmos autores e obras, ajudando a erigir um "gosto" literário. Da mesma forma, o cinema lança mão de estratégias semelhantes, pois quando se deseja falar em filmes clássicos ou cult, e aqui já temos uma valorização da obra, são citados os mesmos autores: Fellini, Truffaut, Bergman, Hitchock e alguns poucos. As mulheres não fazem parte dessa constelação. Os filmes chamados "cult" são considerados de "arte" e, para alguns, dizer que gosta de Trauffaut é o mesmo que assinar o epíteto de intelectual.

Essa forma de catalogar as produções acaba auratizando os diretores e reservando às diretoras um lugar secundário. Acredito que existam formas de fazer cinema e que cada diretor lança mão de recursos cinematográficos para dizer algo ao espectador. Acontece que, quando o cineasta usa mais a linguagem cinematográfica, experimentando mais os recursos técnicos, costuma-se a valorizar mais o seu produto. Isso não significa que os filmes dirigidos e escritos por mulheres devam ser canonizados, talvez colocá-los no mesmo patamar. O que faz, por exemplo, um filme E La Nave Va, de Fellini, ser um clássico e Eve's Bayou (Amores Divididos, 1997), de Kasi Lemmons não ser ou, ainda, para não entrar na armadilha de ratificar a mesma lógica, por que não dizer que os dois filmes atenderam aos seus propósitos?

As diretoras brasileiras embora tenham produzido quantitativamente menos filmes do que os homens, o que elas vêm fazendo têm dado bons resultados fílmicos. Carla Camurati, 49 anos, por exemplo, dirigiu e escreveu, juntamente com Melanie Dimantas, um dos filmes mais importantes da filmografia brasileira: Carlota Joaquina - A Princesa do Brazil (1995) . O premiado filme teve uma boa aceitação da crítica e do público diante do recurso de interseccionalizar cinema e história com uma visão parodística e desmitificadora e, portanto, crítica da chamada "história oficial" produzida pelo discurso masculino para mostrar seus feitos heróicos. No filme de Camurati, não há heroísmo algum em D. Pedro I e a princesa Carlota Joaquina está longe de ser a personificação das princesas dos contos de fada.

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