Enfim, de volta! Depois de anos de ausência, agora já aposentada, resolvi retomar a escrita e os blogs. Hábito do ofício.
Ultimamente tenho assistido a filmes de temática natalina, com suas decorações coloridas e luminosas, canções de Natal, seus biscoitos de gengibre, enfim, com os ritos e rituais que evocam o sentido do Natal, de renascimento e, também, de redenção. Geralmente a trama é simples em torno de uma mulher bem-sucedida que recebe a missão de ir a uma pequena cidade para realizar um projeto de trabalho, mas que acaba vivendo uma experiência natalina, familiar, amorosa, já esquecida e meio sem sentido na metrópole onde o ritmo frenético, o consumismo, o ambiente corporativo indiferente e competitivo não colaboram com a generosidade, a caridade e a solidariedade.
A estruração narrativa
Do ponto de vista da estruturação narrativa, salvo raras exceções, a trama se organiza em torno do modelo da jornada do heroi(Campbell; Vloger), só que de um ponto de partida diferente das narrativas históricas, a exemplo de Ulisses que parte de sua casa para uma aventura, retornando ao lar para os braços de Penélope. Os filmes natalinos, produzidos nos EUA, apresentam no papel principal uma mulher exitosa, solteira, sem filhos, com aproximadamente 30 anos. Ela vive quase que exclusivamente para o trabalho. Essa extrema dedicação aos projetos na esfera laboral acaba afastando a protagonista da família, dos amigos de infância e juventude, e como o Natal é um evento familiar, resulta ser um momento angustiante para a personagem, já que ela precisa lidar com a pressão de cumprir as demandas no trabalho, que se intensificam nesta época, e atender aos apelos familiares. A família, diga-se de passagem, não vive na cidade onde a protagonista trabalha, mas em pequenas cidades, vilas montanhosas, para configurar narrativamente a ideia de regresso, tal como o heroi no modelo narrativo denominado por Campbell como a jornada do herói. Nem sempre esse deslocamento é para um lugar de nascimento, mas haverá sempre um movimento para um lugar oposto à cidade, como uma cabana nas montanhas. Os pinheiros em seu habitat natural combina com as festas de final de ano sobretudo se tem neve, elemento de composição cenográfica importante. Não nos espanta que a protagonista se perca no caminho (destino) ou tenha o carro sem funcionar no meio da estrada. Este percalço é um ponto importante da narrativa porque destaca o inesperado, o acontecimento que levará a protagonista ao encontro de sua alma gêmea. Q
A protagonista e o espaço/ambiente
O cinema, assim como a literatura, opera com elementos narrativos, destaco a personagem e o espaço/ambiente. De modo bem sucinto, o personagem é aquele que prática a ação, possui características psicológicas e comportamentais. O espaço/ambiente é o lugar da ação e apresenta o contexto e as circunstâncias da ação. Um lugar pode emanar alegria, tristeza, tensão, terror, violência, depende do efeito que se queira passar.
As protagonistas dos filmes natalinos trabalham, geralmente, em uma empresa sólida e ocupa um cargo importante, de grande responsabilidade. Digo geralmente porque em algumas narrativas elas são donas de pequeno comércio. É uma mulher que se dedica 100% ao trabalho, é responsável por projetos grandiosos, confiança conquistada com muito esforço. Estão sempre com pressa, entre uma sala e outra, recebendo e passando instruções andando pelos corredores e com um café na m4ao. Quando não são chefes, precisam lidar com aqueles muito exigentes, não raras vezes desumanos e exploradores. A protagonista não tem vida pessoal, quase não sai, e quando tem um namorado ou noivo, é quase sempre uma relação do tipo "formamos uma boa equipe".
É neste lugar e ambiente que a história começa. É o ponto de partida da narrativa, muito embora, durante as rememorações da protagonista, o espectador fique sabendo que ela partiu de sua cidade, ainda muito jovem, para realizar o sonho profissional e, como consequência, tornar-se uma pessoa exitosa. Porém, do ponto de vista da estrutura narrativa, é neste momento que ocorre uma situação interessante, levando-se em consideração a obra citada de Campbell/Vloger. Se neste esquema o ponto de partida é, geralmente, a casa onde o heroi passou a infância e a adolescência ou, ainda, onde ele construiu uma família depois de adulto, nos filmes natalinos o lugar comum será o local de trabalho, ou seja, da recompensa. A casa é um espaço-clichê para o ponto de partida porque a saída do homem para o mundo do trabalho dá-se a partir da casa familiar, depois que ele passa pela fase escolar. Nos filmes de Natal, a empresa é o lugar de partida, é onde a personagem é apresentada para o espectador, no seu cotidiano profissional, imersa em seu desafiante e extenuante trabalho. A volta para casa com o elixir ou seja a aprendizagem, fruto da sua aventura humana, não será fácil, uma vez que esse retorno está repleto de memórias afetivas, mas, também, de traumas que precisam ser confrontados e resolvidos. Para isso, a protagonista precisa se reconectar às pessoas que a conhecem profundamente, com a natureza, com hábitos simples olvidados na grande cidade.
Tudo parece em equilíbrio (mesmo diante do caos comezinho de uma cidade), porém, como sabemos, para que um filme desenrole e cumpra a sua função catártica, é necessário que algo ocorra com a protagonista neste momento de estabilidade. Se na jornada do herói, o personagem sai de sua casa para conquistar a independência e retornar anos depois exitoso para o orgulho dos pais ou de quem testemunhou o seu crescimento, as narrativas natalinas partem do lugar da realização pessoal para problematizar este momento na vida das personagens.
Em quase todos os filmes, a personagem recebe de seu chefe uma tarefa que a faz viajar para uma cidade pequena ou até mesmo a sua cidade de origem. E o que acontece nessa cidade? Ela se apaixona, passa a apreciar os pequenos rituais familiares e da comunidade, envolvendo-se nas duas esferas. Ao fim, experimenta o dilema entre voltar para a cidade, para o exitoso mundo do trabalho, pelo qual lutou a vida toda (mas não é totalmente feliz e aqui há uma dissociação entre realização e felicidade) ou ficar na pequena cidade e ser feliz formando uma família.
O conflito se instaura: voltar ao mundo dos negócios ou formar uma família com o homem dos sonhos? Ao colocar uma mulher como protagonista, numa faixa etária importante para a formação familiar, e me refiro a ter filhos, os filmes mostram uma perspectiva mais dramática. Observe que os homens, em sua maioria, são viúvos ou divorciados, possuem filhos, e necessitam da figura feminina em suas vidas para que ele e seus filhos possam ser felizes porque também estão incopmpletos. Esse dado é importante para que suscite na personagem protagonista o desejo de ser mãe, esquecido entre tantos projetos e desafios do trabalho. É exercendo o papel de madrasta que a protagonista vai sendo inserida como mãe e como esposa e, por fim, no agrupamento famíliar. As cenas de vários núcleos famíliares em torno da árvore de Natal ou realizando atividades tradicionais típicas dessa época, como decorar o jardim com boneco de neve, fazer biscoitos de gengibre, meias decorativas, ser voluntário em alguma entidade comuniária, são emblemáticas, já que se repetem em todos os filmes natalinos. O milagre natalino proporciona à personagem o reencontro com a família ascendente e a oportunidade de formar a sua própria.
Nas próximas postagens, vou apresentar alguns desses filmes e comentá-los. Por ora, apresento o cartaz de um deles.
Você conhece algum desses filmes?
Foto divulgação para a Universal Pictures











