terça-feira, 23 de setembro de 2014

O LEGADO DE NORA EPHRON

'You look at a list of directors and it's all boys"*  
(Nora Ephron)

*Você olha para a lista de diretores e são todos homens.

Nora Ephron sabia que a indústria cinematográfica era machista, e nos EUA não seria diferente. Antes de ser diretora, Ephron roteirizou filmes dramáticos, como Silkwood: O Retrato de uma Coragem, de 1983. Os anos 80 serão profícuos para as mulheres que viveram a maturidade nestes anos, pois a visão que elas têm naquele momento são reverberações dos movimentos sociais, sobretudo feminista, dos anos 60/70. Assim, neste clima de contestação, essa novaiorquina escreveu a história de uma mulher, vivida pela atriz Meryl Streep, (com quem se encontraria novamente em Julia e Julie, em 2009), uma mulher, funcionária de uma fábrica de componentes nucleares em uma pequena cidade do interior dos EUA. Ela passa a ser representante sindical e luta por melhores condições de saúde e de trabalho para os funcionários da fábrica. Durante todo os anos 80, Norah Ephron se dedica ao escrever e produzir filmes, dentre eles o popular Harry e Sally (1989), uma comédia romântica dirigida por Bob Reiner.

Neste filme, Sally (Meg Ryan) é uma jovem recém-formada que pega uma carona do seu colega de universidade Harry (Billy Cristal), namorado da amiga de Sally. Antes de entrar no carro, Sally se despede de seu então namorado. Harry e Sally ao chegarem em Nova Iorque se separam e quando se reecontram ambos estão sozinhos. Ela já está com  aproximadamente trinta anos e começa a sentir a angústia do tempo, por isso, por pressão das amigas, decide sair com homens em busca de um relacionamento estável.

Sally traz o mal-estar das mulheres que nasceram pós revolução feminista, que são independentes, mas querem ao mesmo tempo viver um relacionamento amoroso e estável. Deste modo, podemos dizer que ela é produto das contradições de seu tempo, pois mesmo sendo instruída e emancipada financeiramente, não conseguiu se desvencilhar das armadilhas emocionais que a condicionavam a depender afetivamente do homem. Isso porque os homens não aceitaram (e ainda não aceitam) que as mulheres sejam independentes financeiramente e emocionalmente deles.

Este filme sofreu duras críticas das feministas e confesso que na época senti o mesmo. Era angustiante, violento ver mulheres maduras sentadas em um bar com um fichário de nomes, em busca dos homens disponíveis na cidade para que pudessem se casar. À medida que iam descartando os candidatos, o desespero e a decepção cresciam.

Contudo, ao mesmo tempo que a cena era penosa para as mulheres maduras que estavam sentadas à mesa de um bar e que desejavam se casar em razão do relógio biológico apontar para o pouco tempo que restava para procriação, a cena traz essa contradição e diria denúncia. Como explicar que mulheres emancipadas profissionalmente estivessem discutindo em uma mesa de bar questões que as prendiam a uma ideologia? Essas mulheres herdaram a abertura obtida por meio de lutas e enfrentamentos das suas predecessoras que viram na instrução e na profissão uma forma de alçar vôos até então negados pela sua condição feminina. As mulheres dos anos 80/90 herdam a liberdade de suas antecessoras, mas não conseguem resolver o impasse de gênero, já que os homens pareciam não acompanhar a nova mulher que se apresentava diante dele. Assim, muitas entraram em conflito porque o seu empoderamento  afastava os homens, assustados com tanta liberdade e vontade, gerando problemas no plano afetivo, já que não correspondidos.

Seis anos depois de Silkwood, Nora Ephron muda a direção para as comédias-românticas que muito raramente abandonará.

Aos 71 anos, Ephron começou a falar de relacionamentos, a flertar com o cinema norte-americano, ao fazer clara referência, por exemplo, ao filme Tarde Demais Para Esquecer, quando Gary Grant e Deborah Kerr marcam um encontro no alto do Empire State, mas ela não vai porque  sofre um acidente. No filme de Ephron, Sintonia de Amor, novamente com Meg Ryan (Annie), a diretora muda o final, invertendo a situação: é a mulher que espera o homem, Sam (Tom Hanks) e o seu filho que se atrasam.

Ephron falava de um poder das mulheres, mas de uma forma muito velada e menos combativa, que incluía uma convivência com o homem. Ela não acreditava em um jogo de inversões no qual o poder das mulheres dependesse da subalternidade masculina.  Nora mostra que o poder da mulher não precisa ser o mesmo estabelecido pelos homens há séculos, é uma tentativa de ser feminista dentro de uma estrutura feita para controlar a mulher: o casamento e a família, por isso, talvez as contradições sejam tão evidentes.



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