segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ecos do Oscar concedido ao filme Guerra ao Terror, de Katryn Bigelow

''Depois que você trabalha há anos em um estúdio, você se sente como uma das pernas de uma centopéia, útil como uma espécie insignificante em um módulo operacional ...". (Francis Marion, roteirista)

Recentemente estive conversando com um aluno do curso de Comunicação sobre filmes, direção e mulheres, aliás uma trilogia que rende uma boa conversa. Uma conversa que me proporcionou um olhar suplementar às minhas reflexões sobre o filme Guerra ao terror, de Katryn Bigelow, vencedora do Oscar de melhor diretora em 2010. Lembro-me de ter lido na época em que ocorreu a premiação um e-mail escrito por um homem, por sinal indignado, pelo fato de Avatar não ter ganhado o Oscar naquele ano. O referido autor sugeria em seu texto que se deveria ver os filmes para além das questões de sexo (não mencionou gênero), já que Avatar seria muito mais crítico em relação à sociedade, do que Guerra ao Terror, que, segundo o crítico, trazia uma imagem condescendente dos norte-americanos em relação ao oriente médio. Em outras palavras: o crítico tentava persuadir de que não caberia ali a defesa da mulher, mas da ideologia do filme.

A questão colocada pelo crítico é bastante pertinente e penso que ele tenha razão no que diz, porém, para os estudos feministas do discurso, a análise de um filme não pode prender-se exclusivamente à sua diegese e, aqui reside uma questão importante: as condições de produção. O filme Guerra ao Terror pode significar, por mais estranho que possa parecer, uma resposta à cultura androcêntrica da sociedade ocidental, principalmente no cinema, um reduto muito masculino. Se apenas quatro mulheres concorreram como diretoras nos quase 90 anos de premiação e apenas uma venceu com um tema de interesse masculino e norte-americano, sobretudo em um momento delicado em que um novo presidente tentava reunir uma nação aterrorizada e minimizar uma imagem negativa, bélica, propagada pelo seu antecessor, é porque a lógica hollywoodiana ou pelo menos da associação dos diretores daquele país, na maioria homens, orquestra a forma de se fazer cinema para premiação.

Katryn Bigelow mostrou que 1) uma mulher pode dirigir qualquer gênero de filme; 2) que Hollywood é androcêntrica, pois precisou que ela dirigisse um filme ao gosto masculino para ser premiada; 3) o cinema é um discurso e, portanto, performance; 4) se uma diretora quiser ser premiada em Hollywood terá de ser travestida de homem (metáfora). Em outras palavras: o cinema hoje, naquele país, parece viver como as mulheres no século XIX que, para escrever os seus romances e publicá-los, tinham que usar pseudônimos, se vestir de homens (literalmente), a exemplo de George Sand, ou então o que algumas escritoras brasileiras fizeram no início do século XX, como Raquel de Queiroz, ao escolher temas canônicos, como o sertão, para entrar no seleto grupo das historiografias literárias, ser lida, portanto (de fato, o seu livro foi selecionado pela escola que estudava no final dos anos 70). Mesmo sem ter escrito com uma linguagem marcada criticamente pelas questões de gênero, isso não significa que a crítica feminista não veja a sua produção como uma forma de inserção literária e, também, como uma questão estrutural, mais ampla, de ordem sociocultural androcêntrica que direcionava a crítica literária na seleção dos livros a serem editados, distribuídos e lidos. O cinema parece viver isso hoje, no século XXI.

Bigelow sabia que com O Peso da Água (The Weigth of Water), de 2002, um filme denso estrelado pela não menos intensa Sarah Polley (Fez dois filmes com a diretora espanhola Isabel Coixet), não chegaria a vencer o Oscar. Para isso, teria de ser um filme que trouxesse um impacto menos intimista (embora o filme Guerra ao Terror mostre isso em algumas cenas), e que projetasse uma imagem norte-americana positiva como exigia o momento político naquele momento.

A premiação do filme Guerra ao Terror deixou visível não apenas os laços estreitos entre o cinema de premiação e a política, mas o campo hostil às mulheres, inclusive premiando-a (!), pois a premiação não é para “elas”, mas para “eles”, para a servir à ideologia “deles”. Para serem premiadas, o que representa certa visibilidade, elas tiveram de percorrer um século e perceber o quão androcêntrica é Hollywood e dizer isso não no espaço da narrativa fílmica, como em Thelma e Louise, roteiro de Callie Khouri (venceu o Oscar de melhor roteiro), mas negociando com os poderosos diretores da indústria cinematográfica. A mensagem deles foi dada: elas podem ganhar um prêmio, mas escolheremos de que forma.
 
“Se Bigelow for indicada por melhor direção no Oscar em março, seria apenas a quarta vez que uma mulher foi indicada, sem contar com as mais de 400 indicações para diretor ao todo (as outras três foram Lina Wertmüller em 1976, Jane Campion em 1993, e Sofia Coppola em 2003). Nenhuma mulher jamais venceu. (COCHRANE, 2010).
 
 
Nenhuma mulher acima de 40 teria possibilidade de resistir a filmagem de um longa. Eu escutava as pessoas dizerem que o tipo de filmes que eles queriam fazer era muito longo, muito árduo para uma diretora. O pior era quando o meu agente enviava uma outra diretora para entrevista, e depois o rapaz me chamava e dizia, ‘nunca me envie alguém novamente com quem eu não quisesse transar’. (COCHRANE, 2010)

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