terça-feira, 9 de novembro de 2010

SOMONE DE BEAUVOIR NO CINEMA DE ANIMAÇÃO

Em um dos clássicos do cinema de animação produzido nos anos 80, Uma Cilada para Rober Rabitt, (Who Framed Roger Rabbit, 1988), dirigido por Robert Zemeckis, há uma referência à célebre frase da feminista Simone de Beauvoir. A conhecida frase é: Não se nasce mulher, torna-se mulher que virou base para a discussão de gênero, distinguindo as diferenças sexuais (aspecto biológico) das desigualdades de gênero (papéis sociais/cultura) . No filme, a personagem Jéssica, uma retextualização da versão Gilda para o desenho de animação, pronuncia parodísticamente o mote beauvariano: "Eu não sou má, apenas me desenharam assim". Assim como a teórica francesa aponta para uma dessencialização dos papéis sociais, dizendo que as mulheres são constructos sociais, o enunciado da personagem feminina no filme, faz referência também ao aspecto cultural, que passa pelo olhar de quem desenha as personagens. No entanto, existe na fala da personagem, a meu ver, um certo determinismo irônico, na medida em que, depois de pronta, a personagem cumpre o seu destino dentro de uma estrutura (social) interna do filme, que está na base do pensamento ocidental cristão que é o maniqueísmo atrelado ao gênero (mulher-anjo x mulher-demônio), mas fazendo de uma forma que soa como uma crítica, pois ela tem consciência de que os seus autores são os responsáveis pela sua conduta, eximindo-se de qualquer responsabilidade dos seus atos, o que pode parecer estratégico dentro do manual de sobrevivência.

A mulher no plano real, embora seja um constructo social, ela pode reverter a sua condição, mas a personagem é resultado da ação direta do homem, que a prende entre os seus valores de gênero, o pincel e o papel. A personagem não se rebela contra o seu criador porque é uma construção deste. E a menos que os criadores mudem a sua visão, as personagens continuarão respondendo às significações de quem as desenha, lhes dá vida dentro de uma estrutura social. É com base nisso que Jéssica ironicamente devolve aos seus criadores o veneno que a moldou, ao referir-se, em um jogo metalinguístico, ao próprio fazer artístico, mostrando que o desenho é uma representação, um constructo que reflete e refrata as regras sociais.  

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