sábado, 16 de julho de 2011

Os riscos e rabiscos sobre feminismo

Falar em feminismo nos dias atuais se tornou um problema porque ao se referir ao termo, pensa-se imediatamente em um feminismo localizado historicamente, com suas razões localizadas espaço-temporalmente e, também, que estariam confinadas a ela. Isso não significa dizer que o feminismo seja a-histórico, mas seria uma questão mundial, pelo que vemos através do nosso cotidiano e nas formas artísticas de expressão, como o cinema, em que as mulheres, em diferentes culturas e países, estão falando das mesmas coisas – de opressão, de desempoderamento – e de coisas também específicas – as práticas locais. Acontece que as feministas desistiram de falar daquilo que as une – feminismo da igualdade - em prol daquilo que as diferenciam – é o feminismo da diferença. No entanto, acredito que o particular materializa um discurso de opressão presente em  todos os continentes, principalmente na América Latina. Logicamente que os discursos de deslocamento estratégico do lugar de objeto de crítica mostra que confrontar as instituições – estado, família e religião –, como fizeram as feministas dos anos 60/70 é muito desgastante, um caminho quase suicida, restando às feministas atuais recorrerem a questões não menos amenas, mas sem os holofotes sobre elas, por isso a cotidianidade, às relações de poder que se estabelecem nas práticas sociais diárias são as eleitas, na tentativa de encontrar respostas para as suas questões particulares, grupais, ainda que com o apoio de novos parceiros que as tutelem (não mais os maridos, mas outros). Enquanto isso, o feminismo se torna um grande território formado por pequenas glebas (lideradas muitas vezes por homens (?!)), estas unidas em um propósito particular, de interesse também desses homens. As “feministas” buscam em outros enlaces um forma de sobreviverem, nada muito diferente das nossas comédias românticas, projetadas pelos filmes. Tais enlaces só provam o quanto as desigualdades entre homens e mulheres são difíceis de ser resolvidas.

Vemos nos filmes (pensei em um agora de 2009) ambientados nos dias de hoje, e centrados nas relações familiares, a exposição de enfrentamentos seculares: perseguições de maridos, sabotagens institucionais, marginalidade da mulher em razão das decisões que contrariam a ordem androcêntrica, enfim, questões suscitadas pelas mulheres nos anos 60/70 e que achávamos (ledo engano) que estavam superadas, e que, na pior das hipóteses, teríamos que enfrentar novos problemas históricos e culturais.

 Os filmes dirigidos ou roteirizados por mulheres têm focalizado as mulheres no espaço familiar, como esposas, filhas, irmãs, mães e, também, nas relações de amizade. De qualquer sorte, trata-se da intimidade, lugar onde as mulheres se sentem mais à vontade para falar (talvez por força do hábito). Mas os enfrentamentos, no plano das relações sociais, sobretudo familiares, colocam em xeque a própria organização familiar e as relações de seus membros, nada próximo do modelo idealizado e representado pelas propagandas de agências bancárias, de corretora de imóveis ou de supermercados.

As feministas são representadas como mulheres mal vestidas, desgrenhadas, enfezadas, rancorosas, solitárias, vingativas, ressentidas, marginais. As feministas são vistas como as desiludidas no amor. No filme Pode Bater porque Ela é Francesa, de Melanie Mayron, 2002, elas parecem ter se cansado deste lugar, uma vez que uma jovem aluna feminista acaba usando as mesmas estratégias de suas colegas bem ranqueadas na escola para manipular a audiência e acaba vencendo um concurso escolar que valia uma bolsa para a universidade. O teste era apresentar um documentário e a jovem feminista fez sobre um menino com autismo, apresentado de forma comovente, incluindo uma lacrimosa performance.


Já no filme de Rosane Svartman, Como Ser Solteiro, 1998, do gênero fílmico comédia-romântica, a personagem que se torna feminista, flagrou antes o namorado com outra mulher, o que a fez odiar os homens (reação emocional) e partir para uma disputa político-partidária (projeção para a sociedade), cujo programa baseava-se em uma desilusão amorosa. O slogan “o pessoal é o político”, na minha concepção, foi completamente distorcido e ridicularizado, já que, o pessoal, a que se referia as feministas dos anos 60/70, não significava apenas a experiência particular, mas como essa experiência ganhava dimensões amplas ao se verificar as vidas de outras mulheres, transformando-se em uma luta política. Se para hoje parece bizarro se posicionar como feminista, pensar como a vida de uma mulher se conectava a outras, para a época era uma questão de sobrevivência, o que parece superado. Enganam-se. Neste sentido, o filme deixa transparecer certo constrangimento ao se referir a identidade feminista. A cena em que a personagem está na TV para um debate com o autor do livro (que era seu namorado) sobre como viver a solteirice masculina é emblemática. Enquanto ele se mantém impassível, ela se descontrola.


Quando está fazendo passeata nas ruas, panfletando, as reivindicações parecem deslocadas da realidade, soa estranho, como clichês sem nenhuma consistência, mostrando, desta forma, que o feminismo é algo do passado e que não tem mais força política, uma vez que a personagem não consegue tantas adeptas quando o autor da receita de como ser solteiro. Além disso, mostra que as feministas mais jovens estariam reproduzindo falas vazias de sentido, já que vividas em outra época, como se hoje não fizesse mais sentido ser feminista e como se as questões do passado já tivessem sido vencidas, superadas. Outro engano.


Mesmo que alguns homens não pensem assim, e fico feliz que eles tenham essa visão revisionista da cultura, não podemos desvincular que historicamente as desigualdades de gênero foram um projeto deles – seja na Europa, nas Américas, na Ásia e na África -, mas que por ter se tornado lei (uma mão invisível, como se ninguém a escrevesse), acabou sendo reescrita tanto por homens quanto por mulheres. Mas a concepção é masculina, até porque as mulheres não participavam das decisões e muitas, por serem tuteladas e aprisionadas ao código, acabavam seguindo o fluxo, porque muitas vezes isoladas ou porque a sociedade a compensava. Apesar disso, no decorrer dos acontecimentos, homens e mulheres foram percebendo que as assimetrias de gênero não faziam bem a ambos, mas isso não desfaz a história e os homens precisam lidar com esses fantasmas. O patriarcado mostrou que o seu sistema de organização social, baseado no autoritarismo que tanto marcou a história e os discursos na América Latina, era nocivo, pois formava homens e mulheres medrosos, fracos de espírito, rancorosos e vingativos, enfim gerava o mal.


A crítica feminista precisa dar conta dessas complexidades atuais, em que, diante de velhos paradigmas envernizados, as mulheres são novamente bombardeadas por discursos que a fazem mergulhar em um narcisismo quase infantil, deslocando-as do mundo adulto, onde poderiam estar em condições de enxergar o funcionamento do mundo, sem o véu protetor diante dos olhos para confundi-la. Talvez a feminista do filme Pode Bater Porque Ela é Francesa nos dê alguma ideia.

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