terça-feira, 23 de setembro de 2014

VALENTE E O DESTINO DE UMA MULHER

É impossível não gostar de Merida, uma jovem escocesa ruiva que muito cedo aprendeu a gostar de viver sem as regras de bom comportamento feitas para as mulheres. Ela encontrava mais prazer em atirar flechas, montar cavalo, enfim viver uma vida fora das tarefas domésticas. O seu pai a estimulava a ser livre, contrariando a mãe que a queria casada. Merida não pensa em se casar, e o filme também não aponta para o que ela poderia ser, na verdade compete a ela traçar um outro caminho que ela não sabe ainda qual será, mas está convicta que não será o mesmo trilhado pelas mulheres que a antecederam.

A mãe de Merida não consegue entender isso e exige da jovem que se case. O conflito chega a uma situação limite que a jovem parte em busca de um feitiço que faça a sua mãe mudar de ideia. O feitiço acaba transformando a mãe em um urso, o maior inimigo dos clãs da região.

O processo que é mostrado para o espectador é uma árdua aprendizagem entre mãe e filha e ambas passam a se conhecer fora dos muros da casa, na floresta, símbolo do perigo e também da liberdade. A casa representa a cultura, onde as tensões de gênero são profundas. A floresta une as duas e nela a mãe aprende a ser menos exigente e rigorosa com a filha e consigo mesma e a filha aprende a compreender a mãe. Há uma cena muito interessante que Merida pede que a mãe experimente comer peixe cru e a mãe (no corpo de um urso) faz uma cara de nojo. Nesse momento, Merida se lembra das palavras da mãe quando ela não queria comer algo forçado e lhe retorna com as mesmas palavras. Colocar-se no lugar do outro, estimula a empatia entre as duas, e fazem com que se conheçam mais.

O feitiço só poderia se quebrar se a tapeçaria que trazia a imagem da família, que fora rasgada em um momento de fúria de Merida, fosse novamente unida, isto é, costurada.

No final, Merida realiza o contrafeitiço e a família se une novamente. A mãe menos vigilante quanto às regras, inclusive isso é mostrado através das vestes mais simples e penteado mais solto (ela usava um coque, mas depois prefere deixar os cabelos soltos) e até mais jovem. Mãe e filha passam a ser mais amigas, mais cúmplices.

É um filme que certamente marcará a história da animação, por ser muito mais que uma história bem feita, com recursos visuais impecáveis, mas por trazer um protagonismo de mulheres com uma dimensão política de gênero muito visível. Elas possuem uma força extraordinária: resolvem o futuro dos clãs, administram a casa, são mais eloquentes, inteligentes, hábeis e sensíveis.

Valente é a história de Merida, e também a história sobre o exercício da maternidade.

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