terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Elektra: uma heroína sem par

Não é um filme dirigido por uma mulher, mas traz uma protagonista que emana força, poder e, ao mesmo tempo, docilidade e afetividade, mas isso tudo não inclui necessariamente uma convivência com outra pessoa.
 
Antes de falar na personagem, gostaria de registrar como o filme antecipa o seu conteúdo, o seu tema, a atmosfera mítica. As fontes dos créditos são do tipo letra clássica, a exemplo das letras “E” que adquire a forma “Ʃ” e o “A” a forma “Ʌ” evocando, por contiguidade, pelo símbolo, um contexto histórico, uma cultura, neste caso a grega, de onde a personagem provém. As imagens iniciais reforçam o tempo-espaço mítico ao trazer desenhos que sugerem combates, com seres corporificados, mas sem uma identificação que os torne mais reconhecíveis. Eles se posicionam um de frente para o outro, perfilados, com os corpos inclinados para frente, braços suspensos, roupas sinuosamente afastadas do corpo, sugerindo movimento. A ideia é a de que os grupos estão se movimentando na mesma direção. O cenário de abertura, em forma de desenho, mostra a predominância das cores vermelha e amarela, formando, a partir do amarelo, manchas que tentam englobar o vermelho, porém, no final, o vermelho toma toda a tela, anunciando a vitória de um determinado grupo. A associação do vermelho ao bem ocorre  quando vemos o figurino da personagem Elektra, em vermelho, apesar de só aparecer com ele no início e no final do filme, ao contrário das cenas intervalares nas quais ela aparece de preto. Esta escolha cromática para o seu vestuário não é sem um propósito, principalmente em dois momentos simbólicos do filme: no início, para apresentar a personagem, e no final, quando ela realiza a sua luta mais importante de combate ao mal. O vermelho simboliza vida, luta, caça e produz efeito psicológico de intimidação.

A narrativa

A narrativa começa com o conhecido “era uma vez”, endossando a referência espaço-temporal sem uma origem marcada. Esta fórmula temporal, muito conhecida por todos das narrativas populares e que fazem parte também das narrativas infantis, torna a ação uma experiência ancestral com a qual o leitor/espectador contemporâneo é convidado a filiar-se, facilitando a sua transposição para um outro tempo e lugar, mas que ao mesmo tempo o faz  redefinir a sua realidade, imbricando as ações ficcionalizadas com as experiências cotidianas. É neste momento da narrativa fílmica que o narrador apresenta ao espectador as forças que estarão em conflito – bem x mal –  buscando mostrar ao leitor o caráter universal e moral desta polaridade maniqueísta, embora a própria personagem carregue essa  dubiedade, uma vez que ela é a heroína que mata por vingança, sentimento pouco nobre dentro da convenção do heroi. 

No início do filme,  as mortes decorrem de uma razão pessoal, que é mostrada como algo negativo, porque atribui-se os gestos da heroína à vingança, mas esta visão é transformada quando deslocada para uma razão coletiva, positiva, porque baseada em justiça. Na linguagem visual, isso fica muito perceptível pela atuação da proagonista, quando ela age por interesse particular, está tensa, séria, agressiva, mas quando ela passa a agir de forma que evoque no espectador uma aceitação às suas mortes, ela aparece mais leve, já sorri.

A voz narrativa masculina menciona, no desenrolar da história, que o guerreiro que estabeleceria a vitória do bem seria uma mulher sem mãe, órfã. A morte das mães pode estar associada ao poder da gestação e menos da fecundação, já que a ênfase está na condição de gerir. Daí a razão das duas mães serem mortas pelo grupo oponente. Esta leitura, no entanto, pode ter outra conotação: a de que caberia à mulher resolver os problemas do mundo através da “pureza da alma”, algo que não fica muito evidente nos filme do mesmo gênero quando protagonizados pelos homens. Em O Demolidor, por exemplo, no qual Elektra aparece, os dois são treinados por ninjas e desenvolvem poderes sensoriais, mas em Elektra, ao colocá-la contracenando com uma criança, contribui para a atualização de uma formação discursiva pautada na maternidade, já que a estrutura, o fio condutor da ação está na relação mãe-filha já inserida na narrativa pelas memórias de Elektra. Assim, mãe-Elektra(filha)/Elektra (“mãe”) - Abby (filha) expõe um jogo em que a lacuna marcada pela orfandade irá conduzir as ações das personagens femininas, já que a mãe de Abby morreu, ficando um espaço que Elektra passa a ocupar ainda que momentaneamente. Diferentemente de Elektra, Abby, a menina que ela passa a defender, tem pai.

O final é interessante porque a triangulação formada pelo núcleo familiar está prestes a ser materializada, mas já foi formada antes por outras associações, e talvez o espectador espere que Elektra passe a ocupar o espaço da mãe, até porque já havia uma insinuação de romance entre Elektra e Mark, pai de Abby, ajudando, com isso, a reforçar a expectativa da formação de uma família nuclear. Contudo, isto não ocorre. Abby pergunta se Elektra voltará a vê-la e Elektra responde com uma possibilidade. A heroína segue sozinha e com a certeza de um dever cumprido.

Esta forma de manipular com a expectativa pode ser interessante do ponto de vista recepcional, para percebermos o quanto o espectador está imbuído de um imaginário que pode ser frustrado ou não, em que uma mulher, jovem, bonita (nos padrões midiáticos) abre mão de uma vida familiar para seguir sozinha as suas façanhas pelo mundo afora. Em um mundo em que as mulheres são empurradas discursivamente para uma inevitável forma de viver em par, as mulheres sem par, as odd women, aparecem como seres estranhos. Elektra aparece assim como uma resposta positiva a muitas mulheres que optaram por viver sozinhas.

 
Ficha Técnica
título original:Elektra
gênero:Aventura
duração:1 hr 37 min
ano de lançamento: 2005
site oficial: http://www.elektramovie.com/
estúdio: 20th Century Fox / Marvel Entertainment / New Regency Pictures / Horseshoe Bay Productions
distribuidora: 20th Century Fox Film Corporation
direção: Rob Bowman
roteiro: Raven Metzner, Zak Penn e Stu Zicherman, baseado em estória de Zak Penn e na personagem criada por Frank Miller
produção: Avi Arad, Gary Foster e Mark Steven Johnson
música: Christophe Beck
fotografia: Bill Roe
direção de arte: Eric Norlin
figurino: Lisa Tomczeszyn
edição: Kevin Stitt
efeitos especiais:Schminken Studio Inc.

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