quinta-feira, 30 de junho de 2011

Terras perdidas (A Thousand Acres), de Jocelyn Moorhouse, 1997

Jocylin Moorhouse
Certa vez em uma entrevista perguntaram a diretora Nora Ephron sobre a relação entre as personagens femininas em seu filme, o que levou a diretora a citar uma matéria em que uma escritora indignava-se sobre a forma que a amizade entre as mulheres eram distorcidas nos filmes:

...eu acabei de ler uma matéria muito briguenta em algum lugar, acho que foi no Wall Street Journal ou algo assim, não consigo me lembrar direito. Foi escrita por uma mulher que tinha lançado um livro sobre amigas mulheres e ela estava muito nervosa porque dizia que as amizades femininas são sempre distorcidas nos filmes. No cinema elas são mostradas como alegres e fabulosas... e eu pensei "Bom, espera então até ela assistir ao nosso filme!". (site Omelete)

O que me chama a atenção é que os filmes dirigidos por mulheres que mostram solidariedade e cumplicidade entre elas parecem incomodar mais do que os que trazem homens que se ajudam mutuamente em qualquer situação corriqueira. Os filmes de ação em geral protagonizados por homens mostram com muita freqüência o senso de disputa e de irmandade entre eles, mas quando as mulheres aparecem juntas, tentando formar essa mesma irmandade solidária, a mesma afinidade de gostos e pensamentos, as pessoas reagem de forma diferente, achando que é muito piegas ou até mesmo irreal. Isso parece estar na base cultural misógina expressa no dito popular que diz que nenhuma mulher é solidária entre si. Bem, a verdade é que tenho visto nos últimos três anos muitos filmes dirigidos ou roteirizados por mulheres e vejo que essa ideia é inconsistente, pois a amizade entre as mulheres aparecem, mas não sem tensões, negociações, rupturas e aproximações.

O filme Terras Perdidas, dirigido por Jocelyn Moorhouse, escrito por Laura Jones e baseado no livro de Jane Smiley, nos faz lembrar os filmes escritos por Callie Khouri, já que ambientado também no oeste dos Estados Unidos, com personagens centrais femininas que vivem sob a tirania do pai patriarcal. A história se passa em uma fazenda onde mora uma família formada por três irmãs, duas delas casadas e com residências dentro da propriedade do pai, e o patriarca, um homem velho, viúvo, que não consegue administrar a fazenda como outrora. Os genros trabalham na propriedade, mas com dificuldades. Certo dia, o pai resolve dividir a fazenda entre as três filhas, sendo que a terceira põe em dúvida se seria a melhor opção naquele momento. Em razão disto, vê-se alijada da herança. Excluída partilha, ela se muda e, mais adiante, se casa. O pai se arrepende de ter feito o acordo com as filhas que logo recebem uma intimação dele e da irmã caçula, que atua como advogada. Durante o desenrolar do filme, muitos acontecimentos são revelados, como a sedução do pai e as relações sexuais com as filhas quando adolescentes, provocando ódio em uma e resignação na outra. É muito dramática a cena em que elas revelam os acontecimentos, como a entrada do pai em seus quartos para seduzi-las. Uma delas, a resignada, vivida por Jessica Lange, em um desempenho ímpar, não aceita as colocações feitas pela irmã mais revoltada. Vivida por Michelle Pfeiffer, que relata o que lhe aconteceu e pede que a irmã confirme se com ela também passou pela mesma experiência. Depois de muitas negações, Lange finalmente confirma. Em um dos diálogos, Pfeiffer diz que não foi estuprada, mas seduzida, o que nos permite uma reflexão sobre as formas sutis de violência, já que não acompanhada de uma agressão, mas consentida, de um consentimento que nos faz lembrar Noam Chomsky, quando em O Lucro ou As Pessoas fala do consentimento sem consentimento, mostrando como as pessoas são induzidas a consentir. Lange, por sua vez, disse que tinha relações sexuais porque achava que tinha que fazer, que era certo, já que era o pai, vinculando o consentimento a outros aspectos afetivos.

O filme narra os conflitos também entre as irmãs, sobretudo quando se envolvem com o mesmo homem (Colin Firth), amante das duas. A divergência entre as duas se dava pela visão e temperamento distintos. No entanto, permaneceram unidas, apesar de todos os percalços.

Neste sentido, a solidariedade entre as mulheres é uma condição sine qua non para que elas sobrevivam dentro de uma estrutura patriarcal, principalmente quando se trata de irmãs, como mostra o filme de Moorhouse. Vale destacar que enquanto o processo contra as irmãs Lange/Pfeiffer tramitava, a cidade virou-se contra elas, chegando ao ponto do advogado pedir que elas começassem a usar vestidos e não calças, além de terem que mostrar para o público uma moral inabalável. Todas essas questões nos levam a pensar no que as diretoras estão escrevendo e como estão escrevendo, pondo em questão a ideia que alimenta alguns pesquisadores no Brasil em cinema que acha que as mulheres não estão preocupadas com as assimetrias de gênero (já ouvi isso).

Bullshit, elas estão falando das experiências das mulheres, do ponto de vista delas, independente da cultura, do país, elas narram histórias e temas da vivência delas, e mesmo quando o protagonista é um homem, está deslocado da representação do macho, preferindo um personagem marginal, em conflito, inclusive com a própria construção da masculinidade, da forma que hegemonicamente conhecemos.


Duração: 105 Min.
Produtora: Universal Pictures
Direção: Jocelyn Moorhouse
Elenco: Michelle Pfeiffer, Jennifer Jason Leigh, Keith Carradine, Jessica Lange, Colin Firth, Pat Hingle, Michelle Williams, John Carroll Lynch, Elisabeth Moss

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