quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Violência e resignação das personagens femininas

Alguns filmes voltados para o público juvenil têm me chamado a atenção pelo grau de violência física e simbólica contra a mulher e a resignação delas diante da situação. Um dos filmes, Crepúsculo, é um convite a aceitação da mulher à violência que incide contra ela, baseando-se, muito certamente, na cultura patriarcal que insiste em atribuir às mulheres a missão de converter hostilidade e ódio em amor incondicional. Esse pensamento não é novo, mas nunca é demais mostrá-lo sempre que ele aparece, principalmente em se tratando de um veículo moderno - na acepção de que foi inventado na modernidade- e poderoso como o cinema.

Uma das cenas emblemáticas sobre o tema no filme Crepúsculo ocorre quando a protagonista, Bella Swan (Kristie Stwart)diz não importar-se em estar diante do "pior predador do mundo". Ele se mostra altamente perigoso, mas ela parece não perceber o risco e insiste em acreditar que o amor que sente poderá transformar o objeto amado.

Outra cena de filme cuja personagem feminina aparece como "cordeiro imolado", no ápice de seu sacríficio, é X-men: o confronto final, quando Phoenix pede a Wolverine que a mate, ou melhor, a salve, como se estivesse sob domínio de algum mal. O homicídio é justificado de duas formas no filme: primeiro porque ela pede, portanto autoriza, segundo porque existe um mal a ser extirpado da sociedade. Assim, a morte da personagem é aceita por todos porque a personagem é uma ameaça para a humanidade e, claro, o espectador fazendo parte desta, torce para que o heroi cumpra a sua missão. O mal vem metamorfoseado em mulher. Nada de novo. O que me chama a atenção é que alguns estudiosos, homens e mulheres, poucos para a nossa felicidade, insistem em dizer que o patriarcado morreu. Eu, muito particularmente, não consigo vislumbrar essa paisagem.

Para não perder o ritmo, temos ainda no filme Wolverine: o filme, uma outra situação de volência e, também, aceita resignadamente pela mulher. Wolverine fere a sua companheira enquanto dorme e quando ele preocupadamente percebe o ferimento, ela faz um gesto que o tranquiliza, como se não se importasse com o "incidente". A paisagem bucólica do Canadá, no alto das montanhas, bem ao gosto do love in a  cabin, favorece a construção de uma imagem harmoniosa, tranquila, e a ação do personagem, que poderia fissurar essa representação prazerosa, idílica, paradisíaca, é imediatamente dissolvida na recepção da mulher. Não é o homem que deve controlar os seus supostos impulsos naturais (que, diga-se de passagem todo ser humano possui), mas é a mulher que deve abosorvê-lo a fim de não alterar a ordem, o estado das coisas. A questão é que um aspecto natural, do ser humano, é apresentado como sendo uma especificidade do macho - a defesa - retirando da mulher a sua participação nesse universo igualmente contraditório, conflituoso, do qual participam todas as pessoas. Ao conferir apenas ao macho um agressividade natural, dá-se liberdade maior ao homem de negociar mais abertamente e livremente com as forças confliutuosas, cabendo à mulher "sufocar" as suas, escondendo-as para apenas mostrar o que interessa a sociedade patriarcal que ela demonstre. O curioso é que, quando a mulher enfim aprende a exorcizar a sua agressividade, expô-las, inclusive, tal gesto é visto de forma negativa, pouco feminina. Em se tratando da atualidade, um movimento parece nos confundir mais ainda, pois vivemos em uma atmosfera discursiva de valorização das atitudes pacificadoras, mediadoras, conciliadoras, que, por sinal, as mulheres aprenderam muito bem ao longo dos séculos, mas que foram orientadas ao longo dos anos a se comportarem diferentemente porque aquelas atitudes forjavam uma feminilidade que muitas mulheres não queriam alimentar. Com o intuito de romper com a imagem de bem comportada, as mulheres passaram a mostrar também  agressividade.
Voltando para a saga vampiresca, há uma cena em Lua Nova que mostra também a anuência da "vítima" em relação ao agressor. Ocorre quando Sam (o alfa dos lobos)fere o rosto de sua noiva, transfigurando-o. Neste dois últimos filmes, os ferimentos foram decorrentes de uma ação inconsciente do agressor (durante o sono ou transformação), o que significa dizer que os homens não fizeram intencionalmente, mas em um momento em que eles não podiam responder pelos seus atos por estarem dormindo ou por estarem "enfeitiçados". Hoje em dia não são raros os casos em que as mulheres atribuem às forças malignas as ações violentas dos homens, desculpando-os das agressões por estarem "possuídos" por entidades, responsáveis pelo delito.

Esses são quatro dos filmes que eu me recordo neste momento, cuja temática trata da violência contra a mulher, e que são dirigidos para um público que está em formação, em busca de referências identitárias. São filmes que mostram um homem descontrolado, agindo por instinto, e mulheres resignadas, pacificadoras, que tentam contornar a situação a fim de permanecer ao lado deles, ainda que isso lhes custem a vida. Impressionante como as mulheres são representadas reforçando o mito sacrifical, sendo elas as imoladas em prol do amor, isto é, em favor do discurso amoroso que não só ajuda a manter a ordem patriarcal, como ele próprio - o discurso - representante da base ideológica, simbólica que mantém esse modelo de sociedade.

2 comentários:

  1. gostei de mais do seu texto viu!
    bom saber que mais alguém enxerga essas mensagens veladas nos filmes!
    vi ontem "Entrando numa fria maior ainda com a família" [nome loooongo] e constatei que na maioria das cenas em que a esposa do protagonista aparece ela esta na cozinha...

    abraços! estou seguindo!^^

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  2. Obrigada. Valeu mesmo!
    Vou continuar escrevendo...
    Bjs
    Lúcia

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