sexta-feira, 11 de junho de 2010

MULHER E RELAÇÕES DE GÊNERO EM AVATAR

Assisti, não faz muito tempo, o filme Avatar (2009) de James Cameron. Como qualquer texto, o filme pode ser lido sob diferentes aspectos, mesmo que alguns sejam mais evidentes do que outros. Os 161 minutos de filme explora de forma espetacular os recursos visuais e sonoros conduzindo o espectador a olhar para Pandora, local onde se passa a narrativa, como um lugar exótico, diferente dos lugares urbanos que foram soterrarados e desertificados em prol do progresso e do acúmulo de riqueza e poder. Pandora é um mundo que não foi tocado pela cultura ocidental, diga-se urbana. No filme, duas linhas são definidas: de um lado a cultura exploratória e extrativista e de outro lado a cultura da preservação dos recursos naturais, usados para fins de subsistência. 

O filme critica as operações exploratórias militares e empresariais, embora seja complacente com as explorações científicas. Esta não teria um caráter destrutivo, do ponto de vista da narrativa fílmica, mas ao contrário, seria de grande valor para o desenvolvimento da ciência, sem provocar problemas aos Na'vi, grupo étnico que vive em Pandora.

Do ponto de vista de gênero, homens e mulheres no filme aparecem disputando espaços e atuando em situações que ora lhes conferem algum poder, ora não. Os terráqueos são formados basicamente pelos personagens Jack Sully (Sam Worthington), Dra. Grace Augustine (Sigourney Weaver), Trudy Chacon (Michele Rodriguez), Parker Selfridge (Giovanni Ribisi) e Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang). Já os aborígenes são formados por Neytiri (Zoë Saldaña),  Mo'at (CCH Pounder), Tsu'Tey (Laz Alonso) e Eytucan (Wes Studi).  

O protagonista do filme é um militar que ficou paraplégico durante um combate. O seu irmão gêmeo, assassinado por reagir a um assalto, iria participar de um programa científico-exploratório no qual estavam envolvidos o estado (militares), a iniciativa privada (empresas) e a ciência (universidade/centro de pesquisa) e para o qual ele foi chamado, devido a semelhança do código de DNA. A missão consistia em conectar o corpo humano ao Avatar a partir do reconhecimento do DNA. Por conta disso, o militar foi convocado para substituir o irmão na missão.

A relação central do filme é a de Jake Sully e a de Neytiri, protagonistas do filme. Neytiri é uma Na'vi filha de um casal que lidera o grupo. A sua mãe é líder espiritual e o seu pai líder guerreiro. Essa distribuição de reponsabilidade não chega a provocar desigualdades nas relações de gênero, pois ambos são importantes para a organização e a sobrevivência do grupo. O filme Avatar apresenta, no meu entendimento, um certo equilíbiro de gênero, ao neutralizar as assimetrias nos papéis de homens e mulheres. No entanto, a presença de Jack Sully, que tem a missão de espionar os Na'vi para facilitar o ataque militar, altera essa paisagem. A personagem Neytiri, uma jovem corajosa e aguerrida, ao se apaixonar pelo protagonista vai perdendo a sua força no decorrer da narrativa. A sua importância no filme é treinar o fuzileiro para ser um guerreiro Na'vi, ligando-o ao povo. No decorrer do processo de iniciação, o protagonista se apaixona pela mulher Na'vi provocando tensões em ambas as culturas.  Jack Sully consegue entrar na comunidade Na'vi porque Neytiri entende que as sementes de Eywa que posam no corpo do fuzileiro é um "aviso" divino. Ao ser apresentado ao clã e ser identificado como fuzileiro, os Na'vi permitem a presença de Jack Sully, mas com o objetivo de aprender também com ele.

Depois de se tornar um guerreiro Na'vi, o fuzileiro da Marinha dos Estados Unidos passa a defender os interesses de Pandora e se torna o líder daquele povo, já que o pai e o seu substituto, o guerreiro prometido a Neytiri, morrem no embate com os militares. Neytiri  passa a se movimentar diferentemente no momento em que o protagonista passa a fazer parte da cultura Na'vi. Ela é representda ao lado dele (às vezes a um passo atrás). Com o ataque militar, ela perde seu banshee, símbolo de poder, pois é considerado um animal difícil de domesticar e montar. Quando isso acontece, o guerreiro ganha o respeito do clã. Sem o banshee,  Neytiri perde mobilidade de ataque é quando Thanator, o predador mais perigoso de Pandora, por concessão dele, permite que ela o monte. Mas este também morre em combate. Assim, os elementos simbólicos que torna Neytiti uma guerreira são aniquilados ao longo do filme, à medida em que ela se aproxima de Jake Sully. Em outras palavras, para projetar, fortalecer e acentuar a imagem de guerreiro de Jake Sully, era necessário que essas mesmas marcas fossem atenuadas em Neytiri. Uma das cenas que demonstram isso é quando Jake Sully monta o toruk, a ave mais temida, e Neytiri acompanha sentada atrás.

O filme Avatar ressalta um aspecto importante em relação ao olhar sobre a floresta. Ela não representa apenas um rico ecossistema, mas   o espaço do exercício da espiritualidade, das referências ancestrais. Em uma cena do filme, a Dra. Grace diz para Jake Sully olhar para Pandora através dos olhos de Neytiri. Realizar este deslizamento, significa operar com um duplo deslocamento: o de gênero e o étnico, já que o processo de significação é afetado pelas experiências do sujeito e a significação é gerada, dentre outros aspectos, a partir das experiências identitárias. Homens e mulheres são educados em uma dada cultura para atuarem em diferente papéis que são materializados nos corpos para gerarem um sentido natural ao que é cultural.  A questão é: até que ponto, no interior das práticas sociais, essas disputas são mais ou menos equilibradas, pois sabemos que toda e qualquer relação envolve disputas de poder, vendo o poder no conceito de Foucault, como micropoderes. Dizer que existe harmonia de gênero em Avatar é de um exotismo sem precedentes, é reforçar o mito rousseauniano do bom selvagem. Mas podemos dizer que as tensões de gênero são menos violentas por conta do sistema econômico no qual as relações são negociadas. Em Avatar, o capitalismo é um vilão que se infiltra em todos os gestos cotidianos, inclusive, nas relações. No filme, os Na'vi explulsam os militares e as empresas, o que poderia ser entendido como uma forte crítica ao sistema econômico capitalista e todas os valores que ele engendra, assim como as esferas sociais que o sustenta.

Para um homem ocidental, olhar da perspectiva de uma mulher não-ocidental, representa uma experiência dialética em que os paradigmas étnicos e de gênero serão postos em tensão, muito embora os de gênero sejam praticamente inexpressivos. A acomodação é visível e quando ocorre alguma subversão a solução é matar as mulheres. As duas subversões mais emblemáticas culminam com a morte das mulheres. Uma delas ocorre com a Dra. Grace, uma botânica que viveu em Pandora 15 anos e reponsável pela direção do projeto Avatar, que morre ao fugir da prisão na tentativa de ajudar os Na'vi a escaparem do alvo militar. É a única que discute em pé de igualdade com o Coronel, enfrentando-o e ameaçando-o. É morta por ele com um tiro durante uma fuga de helicóptero. A outra mulher que morre no filme, é a piloto que dirige o helicóptero, também fuzileira, Truddy Chacon. Esta desafia abertamente o estado ao atacar a nave-mãe na qual está o Coronel, dizendo que se ele tinha uma arma, ela também tinha. As mulheres sem medo, que enfrentaram o poderio do estado norte-americano e os interesses de empresários gananciosos, morreram.

No entanto, há Neytiri, a mulher Na'vi, que se apaixonou pelo fuzileiro, mas que agora é guerreiro líder dos Na'vi. Após conhecer Jack Sully, Neytiri passa a defendê-lo e as suas habilidades de guerreira são direcionadas a preservar a vida dele. Cabe verificar agora que destino Cameron dará a Neytiri sem resvalar nas já conhecidas performances de gênero.








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