sexta-feira, 12 de março de 2010

EVE ARDEN

Algumas pessoas costumam dizer que a vida é costurada por músicas e filmes. Sempre nos lembramos dos filmes que assistimos quando adolescentes e jovens, fosse no cinema ou na televisão. Quem nasceu nos anos 60 e 70 teve na televisão maior companhia do que o cinema, mas o fascínio da grande tela, sem dúvida era algo sedutor, sendo que o surgimento da TV não impediu que as pessoas fossem ao cinema.

Mesmo com a televisão, assistir a um bom filme no cinema era uma experiência única que não envolvia apenas o filme, mas o ritual de ir ao cinema. Lembro-me de aos doze anos ter ido assistir ao filme Grease- Nos tempos da Brilhantina, com John Travolta e Olivia Newton John, proibido para menores de 14 anos. Porém, a minha primeira ida ao cinema foi para assistir a um desenho animado, Cinderela. Eu tinha 7 anos, aproximadamente.

Em 1977, quando o filme Grease foi lançado, eu tinha 13 anos. Comprei um ingresso (meia), mas o porteiro (tinha porteiro, torniquete e lanterninha) não aceitou a minha entrada, pedindo que comprasse uma inteira. Estava tão nervosa em burlar a censura que comprei uma inteira, ficando com duas entradas - uma meia e outra inteira. Quando estava no torniquete, ele olhou para mim e disse: "Você não tem 14 anos." Como eu era muito miúda, ele deve ter me achado com cara de 10, não sei, mesmo com o vestido de babados (para avolumar os seios), o salto e a maquiagem. Diante da impossibilidade de ver o filme, joguei as entradas em suas mãos e saí correndo. Para a minha sorte, o filme já tinha começado e estava tudo escuro. Esperei o lanterninha passar, mas felizmente não passou. Assisti prazerosamente o filme em pé.  

Na época, John Travolta era um fenômeno, alguma coisa próxima a Robert Pattinson (Edward Cullen, o vampiro de Crepúsculo), porém melhor ator, a meu ver . Um ano antes tinha feito sucesso na pele de Tony Manero nos Embalos de Sábado à Noite.

Estive revendo o filme e fico sempre encantada com a performance da atriz Eve Arden, a diretora McBee do Rydell High School.  A sua atuação é exemplar, transformando as cenas em que aparece dignas de risos. Infelizmente, os atores e atrizes que atuam na comédia não são reconhecidos nesse gênero e, em geral, são apenas premiados quando passam para papéis dramáticos, do contrário caem no obscurantismo total. Por exemplo, Sally Field ficou muito conhecida pelas suas atuações nas comédias, mas recebeu apenas o Oscar pelo filme Norma Rae, 1979. Um papel dramático.

Mas Eve Arden marcou, com a sua larga experiência, o filme Grease, um de seus últimos trabalhos (ela faleceu em 12 de novembro de 1990, aos 82 anos). A sua entonação cadenciada, impostada, que nos lembra as antigas professoras, com cada palavra bem proncunciadas, criam a atmosfera necessária para uma diretora que tenta manter sob controle inúmeros adolescentes em uma escola nos idos anos 50. Uma tarefa que exigia uma certa dose de austeridade que contrastava com a irreverência dos alunos, o que dava o tom cômico ao filme. A atriz que participou de seriados para a TV empresta à sua personagem com muita competência e graça o que o filme precisava para ser leve, muito embora trazendo temas densos como a gravidez indesejada e supostamente um aborto, traduzido no final do filme pela voz da personagem Rizzo (Stockard Channing) como "alarme falso". Embora não fique explícito no filme, e nem poderia, pois assim como hoje o tema é tabu, a personagem não diria abertamente que fez um aborto, por isso algumas jovens praticavam e diziam que havia sido "alarme falso", ou seja, foi apenas um atraso.

Eve Arden participa de poucas cenas, mas é incrivelmente talentosa e convincente na pele da diretora que ao mesmo tempo que se desespera com os T-birds e Pink Ladies (grupos de meninos e meninas) tem igualmente a postura de dirigir-lhes palavras de incentivo. A cena em que ameaça os três alunos que mostraram as nádegas para a TV durante o baile é muito engraçada. Nela, a personagem promete encaminhar o vídeo para o Pentágono e FBI, caso os alunos não se apresentassem, e que poderiam ser identificados, mesmo sem mostrar os rostos. O argumento é bizarro, mas além do texto, a atriz desenvolve a cena através de movimentos faciais complexos que visam  realçar a gravidade do acontecimento, mas tornado-o engraçado para o espectador. Uma combinação entre o movimento do olhar e o da boca formando um conjunto cômico na perfomace de Eve Arden. Nem precisa dizer que a câmera capta esse momento em close up para registrar (e imortalizar) esse momento de arte.

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