terça-feira, 26 de abril de 2011

CINEMA E MÍDIA IMPRESSA

Lindsay Lohan cumprirá pena como faxineira em necrotério

26/04/2011 às 10:13

ATUALIZADA às 10:16
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Um texto começa antes de sua materialização gráfica (no caso do texto escrito) que nos leva a analisar a razão pela qual um determinado assunto interessaria ao público leitor de um jornal. Neste sentido, vale identificar de imediato qual o objeto da matéria, em outras palavras, o “o que”. Contudo, penso que, para além da identificação do assunto, poderíamos nos ater ao “como”, isto é, de que forma um assunto será tratado ao longo do desenvolvimento do texto. No caso da matéria a seguir, o assunto é o fato de uma atriz de cinema desenvolver a tarefa de faxineira como pena por ter furtado um colar. No título da matéria, há a necessidade de persuadir os leitores através do contraste, já que, por este recurso sugere-se que a profissão de atriz contrasta com a de faxineira, o que na nossa cultura, representa uma atividade de menor prestígio e glamour do que ande atriz. Ao trazer o contraste no título da matéria, busca-se por um efeito, na medida em que esse leitor faz parte de uma cultura que conhece muito bem os valores das profissões. Direciona-se o leitor para que acolha a ideia de que a atriz perdeu seu status, o que não deixa de envolver o discurso em um tom desqualificador, tanto em relação ao contraste quanto ao fato de ser uma atividade fruto de um cumprimento judicial, isto é, a atriz será obrigada a desenvolver a atividade social e para piorar a situação em um necrotério, símbolo da morte, o que pode funcionar como metáfora para a carreira da artista.

A atriz americana Lindsay Lohan terá de fazer trabalho comunitário como faxineira do necrotério de Los Angeles para cumprir pena por ter violado a sentença de liberdade condicional, informa a edição digital do jornal  "Los Angeles Times".
O texto faz uso do recurso intertextual, parafrástico, retextualizando uma matéria publicada em um jornal norte-americano. A credibilidade advém de uma fonte, de um veículo localizado no país de origem da atriz. Este recurso conduz o leitor para um estado de aceitação do que está lendo. Interessa-nos identificar as estratégias de adesão e não se o conteúdo é verdadeiro, se de fato aconteceu. Neste parágrafo, o tom da obrigatoriedade reaparece na construção verbal “terá de fazer”, colocando a atriz em uma posição de subordinação e ao mesmo tempo sinalizando também a sua dificuldade em aceitar as determinações legais, sugerindo ao leitor que se trata de uma pessoa “insubordinada”, “problemática” (palavra conhecida nossa)

Na sexta-feira passada, a juíza Stephanie Sautner condenou Lindsay a 120 dias de prisão e 480 horas de serviço comunitário pelo furto de um colar em janeiro passado. Dessas horas, 360 serão realizadas em um centro comunitário de mulheres em uma das áreas mais pobres de Los Angeles e as outras 120, no necrotério.
A condenação ganha relevo ao ser associada a detalhes como a carga horária e o local, além do motivo por estar cumprindo a atividade social.

"Sempre temos prestadores de serviço comunitário. Eles limpam e varrem", comentou Ed Winter, assistente-chefe do necrotério, onde foi realizada a autópsia do corpo do músico Michael Jackson.

A transcrição da fala é um recurso eficaz no efeito de credibilidade, pois o testemunho, a confissão e a declaração de alguma autoridade sugerem uma neutralidade de quem elabora a matéria, encobrindo a ideologia, a sua intencionalidade. Ao trazer a declaração da juíza que condenou e do assistente-chefe do necrotério, o jornal (não há referência a quem assina a matéria) deixa entrever a sua concordância com o veredicto, consciente ou inconscientemente, e torna o leitor o seu cúmplice.

Ajuíza do caso determinou que a polêmica atriz deverá iniciar o trabalho comunitário dentro de uma semana e completá-lo ao longo de um ano. Lindsay pagou a fiança estimada em US$ 75 mil na sexta-feira, após o veredicto. Sua advogada informou que recorreria da sentença.
Novamente o jornal se apropria de uma possível fala da juíza, através do discurso indireto, sugerindo que a juíza teria se referido a atriz como polêmica, quando, por meio desse recuso narratológico, inscrições indevidas aludindo a uma possível autoria podem acontecer. Através do discurso indireto as vozes se misturam, sendo que a voz do texto que está sendo escrito ganha autoridade por referir-se a outra voz que possui poder para a sociedade, neste caso a juíza.

Quando foi acusada do furto, a intérprete cumpria liberdade condicional por um processo iniciado em 2007, após ser detida por dirigir embriagada. Três semanas antes do incidente na joalheria, Lindsay havia concluído o período de três meses de internação em um centro de reabilitação.
Intérprete não é atriz. A primeira expressão se refere a uma atividade, enquanto a segunda a uma profissão. A atriz é desqualificada, marginalizada, arrancada de sua profissão e apresentada como uma pessoa perigosa e doente, portanto incapaz de ser chamada de atriz e de viver socialmente. A profissão, na nossa sociedade, é uma forma de inserção social.

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O que há de problemático, talvez mais do que a sentença de Linsay Lohan, é que o sensacionalismo acaba condenando duplamente a atriz. Além da condenação social, o que parece ser perfeitamente normal para as pessoas que por algum motivo não acatam às leis, a mídia local (do Brasil/da Bahia) reforça o esquartejamento através de um texto montado em dados descontextualizados, que transforma uma ação em espetáculo, pior em uma imagem negativa de uma prática comum em outros países. A forma que a mídia local apresenta a sentença da atriz atrela a “faxina”, palavra usada pelo jornal (não se sabe se em inglês o termo foi o mesmo e se empregado no mesmo tom) a algo humilhante.

Outro aspecto que merece destaque é o fato de a ideologia encobrir a relação causa-consequência nas ações humanas, não para minimizar as suas responsabilidades, mas para identificar o que desencadeou a ação e evitar assim outros casos semelhantes ou, ainda, que novos incidentes aconteçam e que outras Lindeys Lohans se formem.

A formação.

Por esta perspectiva, vale a pena mencionar que a atriz começou bem cedo a sua popularidade, aos 12 anos. Aos 16, começou a fazer um filme por ano e justamente quando começa a alcançar o topo da fama, paralelamente, a sua vida pessoal começa a degringolar, como se fossem dois lados de uma mesma moeda.

Além de atriz, Lohan também investe na música e em outros setores, como a moda. Aos 25 anos, a atriz mostra-se como uma jovem que busca viver intensamente, mas, como muitas outras, descuidou-se ao lidar com uma máquina poderosa de inventar mitos e destruí-los, como o cinema e a mídia de modo geral. A imprensa, ávida por matérias que gerem “acessos”, especulam a vida pessoal dos atores e, no caso de Lohan, a sua sexualidade, o consumo de álcool, a ida às baladas, na busca de indícios que justifiquem o seu desequilíbrio. As fotos que estampam a primeira página do Google mostram a atriz com roupas íntimas, bebendo ou em poses disformes, incitando no leitor a ideia de uma pessoa moralmente questionável.

O estrelato é envolvente e perverso. A sensação de poder construída pelo aparato glamoroso da indústria cinematográfica cria as desequilibradas desde a mais tenra idade, tornando-as sexies, consumíveis e descartáveis, mas a relação causa-consequência precisa ser encoberta. Lindsey Lohan tornou-se a atriz teen mais popular do cinema, tendo sido premiada diversas vezes. Com um currículo consistente e uma vida profissional agitada, entre o cinema, a televisão e o empresariado, Lohan vive o que muitas mulheres atrizes experenciam: uma vida pessoal conturbada, oscilante, assim como uma vida profissional extremamente competitiva e instável. Uma geração Hanna Montana que cresce espelhando-se na fama rápida e precoce, mas, também, o espectro do descarte, daí a movimentação multifocal, pluridiretiva, que exige um desempenho mais intenso. As drogas entram neste processo como forma de atenuar ou possibilitar o cumprimento de agendas. Os energéticos estão circulando na sociedade como forma de promover um desempenho que em condições normais seria impossível realizar. O importante é garantir o cumprimento de uma agenda intensa e frenética imposta pela indústria cultural e de consumo que gera as drogas para que os corpos sejam consumidos.

Assim, o caso Lohan reflete as contradições da sociedade em que vivemos, sendo que as atrizes, pela profissão, são mais expostas. O consumo, o descarte, a competitividade, a completa desumanização são sintomas de uma sociedade e as mulheres, de um modo especial, estão traduzindo isso em comportamento. Maior do que isso, a meu ver, é a onda de moralização que julga e condena sem buscar as razões. Vivemos em uma sociedade de juízes.

Fonte: http://www.atarde.com.br/cultura/noticia.jsf?id=5715584

Vale salientar que no mesmo dia, às 16h35, outra matéria foi publicada sobre a atriz, mas como não li, não pude incluir na minha análise.

"Acho que, sendo jovem e estando onde eu estava, você não aproveita o tempo para apreciar o que tem, e tudo é um tipo de furacão e as pessoas tomam decisões por você"
(Lindsay Lohan em programa de TV)

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