sábado, 31 de dezembro de 2011

O ÚLTIMO FILME DO ANO

O ano termina com 27 filmes em exibição na cidade de Salvador, sendo que destes apenas dois são dirigidos por diretoras. Coincidentemente os dois são de duas francesas. Trata-se de O Amor Não Tem Fim, de Julie Gravas, e  Adeus, meu primeiro amor, de Mia Hansen-Love, que entrou em circuito nesta semana. Para aumentar mais ainda as coincidências, ambos estão no circuito de arte, no cine vivo, e ambos são exibidos no mesmo horário, com uma diferença de 30 minutos. Os dois são do gênero drama.

Curiosamente, compete à tradução cravar uma contradição entre os dois. Um deles anuncia a eternidade do amor, enquanto o outro mostra a sua finitude. A antítese  se mostra internamente no confronto entre a ideia de eternidade ligada a um casal de velhos e o de finitude associada a um casal de jovens.

O amor muda de acordo com a idade? A idade define a face do amor? O amor existe? O que é o amor?

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Retrospectiva 2011

É de praxe no final do ano fazermos balanços e como não poderia deixar de ser, aqui estou para falar um pouco da minha relação com o cinema em 2011. As salas de projeção têm me afastado dos cinemas: crianças de colo aos choros, adolescentes com seus celulares ligados, atraso no início da sessão, pipoca caríssima, entre outras coisas. Tenho preferido aguardar os lançamentos em DVD que, por sinal, não demoram mais como antes.

Os filmes dirigidos por mulheres continuam sendo raros nas nossas salas de exibição, mas assisti a um que salvou a lavoura: O Amor não Tem Fim, da diretora Julie Gravas, já comentado neste blog. Além deste, pude ver e rever algumas pérolas, sendo que uma de um tempo distante e outra de um tempo mais recente: Doces Poderes (1997), de Lúcia Murat, e Desenrola (2010), de Roseane Svartman, respectivamente. Em uma zona mais intermediária, assisti Celeste e Estrela (2005) de Betse de Paula.

Tive o prazer em rever Yentl (1983), de Barbra Streisand, e ver finalmente Hotel Atlântico (2009) de Suzana Amaral; Amélia (2001), de Ana Carolina; Brava Gente Brasileira (2000) Lúcia Murat; Mar de Rosas (1991), de Ana Carolina e o francês A Culpa é do Fidel (2006), de Julie Gravas. Como podem ver, foram filmes de diferentes procedências e de anos distintos.

Espero que em 2012, entidades públicas e privadas invistam mais no cinema brasileiro e aumentem os finaciamentos para a produção de filmes  para que as mulheres possam inscrever mais realizações nas páginas da história do cinema brasileiro.

REBECA

Rebeca: do hebraico, a que provoca a união, a que liga ou conecta todo mundo

O  nome não poderia ser mais feminino, marcante e significativo. Rebeca é um nome de mulher, mas é também a forma abreviada da REvista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual da Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual - lançada recentemente pela entidade que nos brinda com mais esse espaço de interlocução. É uma publicação semestral com fluxo contínuo que pretende divulgar os trabalhos de pesquisadores sobre cinema e audiovisual. São ao todo quatro seções:


Artigos de Temáticas Livres – seção que reúne artigos de temática livre que não se incluam na temática do Dossiê;

Entrevistas – outro espaço especial de cada edição, trazendo entrevistas com autores, pesquisadores, realizadores, roteiristas, artistas e personalidades da área de fotografia, som e montagem;

Resenhas e Traduções - seção reservada à publicação de resenhas de livros e outras publicações da área, filmes ou filmografias, ampliando para obras audiovisuais de outros formatos como televisão, sites e/ou novas mídias e/ou eventos, além da tradução de artigo significativo já publicado, mas inédito no Brasil;

Fora de Quadro - seção livre voltada para a publicação de trabalhos com forma de expressão e formato livres.

Rebeca aparece com uma proposta muito rica de unir, conectar, ligar pesquisadores(as) de diferentes instituições e pesquisas por meio de diferentes gêneros textuais

Bem-vinda, Rebeca!

Maiores informações: http://socine.org.br/rebeca/index.asp

Fonte: http://www.socine.org.br/rebeca/

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Yentl, analisando a estrutura e o conteúdo

A breve reflexão abaixo foi feita a partir da leitura do livro Como se Aprimora um Bom Roteiro, escrito por Linda Seger e publicado pela Bossa Nova.




Barbra Streisand como Yentl e Anshel
Se tomarmos como base o quadro acima, organizado em oito partes:  o elemento catalisador, imagem inicial, apresentação, ponto de virada 1, conflito, ponto de virada 2 e clímax, podemos ter uma visão da lógica interna, estrutural, que  revela a costura feita pela roteirista e diretora a fim de introduzir uma questão feminista no filme Yentl. Neste caso, identificar o elemento catalisador ajuda o espectador a observar uma ação importante no começo do filme que motiva a protagonista, neste caso Yentil, a responder às regras sociais, enquadrando-se nela ou subvertendo a elas. O fato de a protagonista ter sido proibida de ler os livros destinados aos homens, a faz indignar-se e questionar-se sobre as limitações impostas ao seu sexo, possível porque ela tinha sido iniciada em casa por seu pai nos estudos das escrituras. O que nos leva a pensar sobre o papel fundamental de um mediador ou mediadora na formação dos jovens, na mudança de visão desses jovens.

Anshel/Yentl com Avigdor e outros estudantes
elemento catalisador pode ser identificado como a primeira ação visível ao espectador que revela um traço da personalidade da personagem ou ainda a sua visão da ordem das coisas. Em relação ao filme, fica evidente que Yentl não se enquadra às regras sociais vigentes em sua época: as mulheres não poderiam estudar, ler livros que desestabilizassem a ordem social.

Esta ideia é anunciada na imagem inicial, quando os livros aparecem vistos de cima para baixo, mostrando o quão importante eles eram para aquela comunidade, já que chegava com esforço para suprir uma necessidade na formação de homens e mulheres, mas que já vinham separados por gênero: para eles os assuntos  que exercitavam a lógica, o raciocínio, o pensamento, enquanto que para elas os romances, os assuntos de amor. A imagem inicial e o elemento catalisador formam sentidos que se fortalecem, convergindo-os devido a manipulação da linguagem cinematográfica, mais especificamente os planos, os ângulos, o movimento de câmera e, além de tudo, o processo de montagem. O espectador é induzido a perceber que a narrativa se desenvolverá a partir do esforço da protagonista em apropriar-se dos livros proibidos e partir em busca do conhecimento. Isso nos leva para a questão central: será que ela conseguirá subverter a ordem social?

As respostas serão dadas durante a apresentação, os pontos de virada, os conflitos e o clímax. Na apresentação, temos conhecimento de que Yentl é uma jovem, filha única (seu irmão faleceu), órfã de mãe, e que cuida de seu pai enfermo, de quem recebe os ensinamentos da Torá e do Talmude. Com a morte do pai, Yentl sai de sua cidade com o objetivo de continuar os estudos, mas sabe que como mulher será impossível, por isso se veste de homem, Anshel, para ser aceita em uma yeshiva. Com esta apresentação, o espectador entra em contato com a cultura patriarcal na qual a protagonista foi educada e começa a criar uma expectativa sobre a questão que se impôs: ela conseguirá ou não continuar os seus estudos?
Yentl

Porém, no primeiro ponto de virada o seu objetivo é ameaçado, pois conhece Avigdor, um judeu ortodoxo e bem conceituado na yeshiva. Ele sugere que Anshel/Yentl estude nela e o/a leva para submeter-se a uma entrevista com um rabino que a aceita e indica Avigdor para ser seu orientador. Anshel/Yentl e Avigdor passam a estudar juntos e a dividirem o mesmo espaço domiciliar. Este aspecto vai provocar no espectador uma série de reações e questionamentos: será que ela vai desistir de tudo e se casar com ele? Será que ela irá renunciar ao seu sentimento e seguir os seus estudos ou será que ela continuará os estudos casada com Avigdor? O conflito se instaura.

No início do século XX, as mulheres tinham um espaço de circulação mais restrito devido aos papéis de esposa e mãe já cristalizados como valor pela sociedade. As mulheres daquele tempo que questionavam a sua condição eram execradas e tinham que viver isoladas, nas bordas da sociedade, com muitas dificuldades de sobrevivência. A conciliação entre os objetivos intelectuais com os matrimoniais dentro de uma cultura religiosa alicerçada nos valores patriarcais era impensável para a mulher.

A segunda virada deflagra o clímax, pois consciente da impossibilidade de realizar todos os seus desejos, Yentl opta por continuar os seus estudos, abrindo mão de uma realização amorosa que, embora fosse importante, não era o seu objetivo maior. Esta escolha culmina com a cena em que ela está em um navio partindo para um lugar (suponho Estados Unidos) onde as mulheres podiam ser aceitas nas yeshivas.

Anshel/Yentl e Avigdor
Enfim, com estes elementos do roteiro fílmico podemos, através da análise estrutural, ver os sentidos se construindo, revelando um filme feminista centrado em uma protagonista que prima por sua liberdade (e a do outro), busca ultrapassar as barreiras culturais e faz escolhas e se responsabilizando por elas.

Um filme feminista e existencialista, sem dúvida, que nos faz pensar nas condições atuais das mulheres neste início do século XXI: as mulheres conseguem conciliar as atividades intelectuais com as tarefas domésticas? Do que as mulheres abrem mão quando se dedicam profundamente aos estudos? Por que é mais difícil aceitar que uma mulher apenas estude ao contrário daquela que apenas se dedica à casa? Que tipo de poder está em jogo?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Yentl, 1983, Barbra Streisand


Barbra Streisand na direção,
vestida de Yentl.
 I stepped outside and looked around.
I never dreamed it was so wide.
Eu pisei fora e olhei ao redor.
Eu nunca sonhei que era tão amplo

Religião, Cultura, Patriarcado. Estas três palavras poderiam sintetizar o filme produzido, roteirizado, dirigido e protagonizado por Barbra Streisand. Uma façanha rara no cinema, talvez única, em que uma mulher esteve à frente de quatro etapas e espaços diferentes da produção de um filme.


Streisand vestida de Anshel, portanto um homem,
a fim de poder estudar a Lei.
Lançado nos anos 80, mais precisamente em 1983, Yentl foi um filme ousado e desafiador, pois narra a história de uma mulher que desafia a lei judaica interpretando os livros sagrados.

Com imensa vontade de estudar, ser uma intelectual, Yentl teve problemas com a cultura patriarcal, pois apenas aos homens eram fraqueados os estudos da Torah e do Talmude, cabendo às mulheres buscar o casamento, procriar e cuidar do marido e da casa. A palavra Yentl é de origem israelita significa terna, gentil o que corresponde aos atributos da protagonista, embora apresentasse personalidade forte, determinada e inquiridora.


Decidida a estudar, ela se veste de homem
e se divide em dois: Yentl e Anshel.
Yentl é uma jovem ávida por conhecimento. Após a morte do pai, o seu primeiro professor, foge para outra cidade vestida de homem, Anshel, já que seria impossível morar sozinha em sua cidade sem que um homem a "protegesse". Pensando nisso, escapa assumindo uma nova identidade que pudesse facilitar o seu acesso ao conhecimento da cultura judaica, ou seja, a uma Yeshiva. O seu percurso torna-se mais difícil quando se apaixona pelo seu orientador nos estudos, um dos melhores, o único capaz de acompanhar o nível de conhecimento que Yentl acumulara quando estudava com seu pai. 

Embora o ano de publicação do filme seja 1983, o filme se passa no início do século XX e corresponde a um olhar restrospectivo, histórico de uma artista que viveu a juventude nos anos 60, em uma grande cidade como Nova Iorque, o que certamente lhe favoreceu o contato com ideias do feminismo, evento que denunciava os esquemas sociais que subordinavam a mulher à completa ignorância em relação ao homem que, por sua vez, detinha o conhecimento e o controle da mulher. O assunto é atualíssimo porque traz para o centro das discussões o papel da mulher nas religiões judaico-cristãs cuja base é patriarcal. As questões de Yentl podem ser observadas a partir da trilha sonora:


Aceita com distinção pelo Rabino
começa a estudar a Lei.

What's wrong with wanting more?
(O que há de errado em querer mais?)
If you can fly - then soar!
(Se você pode voar – então se eleve nos ares)
With all there is - why settle for
(Com tudo o que há - por que se contentar
just a piece of sky?
(com apenas um pedaço de céu?)


Casa-se para aproximar a esposa do amigo por quem
Yentl é apaixonada.
Esta busca em ultrapassar os limites, desafiando o código vigente, pode ser verificada em diferentes formas de expressão artística: no cinema, a exemplo de Barbra Streisand com Yentl e Callie Khouri com Thelma e Louise, e na literatura, a exemplo das brasileiras: Lya Luft em Retrato de Família; Sonia Coutinho em O Jogo de Ifá e Helena Parente Cunha com Mulher no Espelho. Em todas as ocorrências, as mulheres estavam na maturidade, mais precisamente com 40 anos, Barbra Streisand tinha 41 anos quando lançou Yentl. Esta incidência me faz inferir que se trata de uma fase dramática para mulher porque já afastada dos apelos da juventude que a absorvem e atrelam a um esquema que a infantiliza, domestica e frivoliza. 


No lugarejo onde morava os livros
chegavam numa carroça separados em leitura
para homens e mulheres. Eles liam  a Lei e as mulheres
os romances.

Yentl é um filme visivelmente feminista, diria um clássico do cinema feminista, que deve ser  visto sempre, pois mostra como a liberdade é um bem precioso e que o destino é construído pela própria mulher, capaz, portanto, de modificá-lo a qualquer momento.

É importante dizer que a história de Yentl traz elementos autobiográficos da diretora, já que Streisand tem ascendência judaica e estudou em uma escola judaica ortodoxa de meninas - Bais Ya’akov - na qual as mulheres aprendiam a interpretar as escrituras (Talmude e Torah) - o que lhes era proibido - e mesmo a ter uma profissão. Os estudos acadêmicos eram vedados. O fato de permitirem que as mulheres estudassem as escrituras nos EUA foi mais por razões econômicas e culturais, já que a intenção era a de que elas sustentassem as famílias, já que os homens tinham ido para a guerra, e a manterem-se fiéis à tradição judaica diante dos apelos culturais de outras tendências religiosas e representativas dos EUA. Inevitavelmente, o feminismo se desenvolveu neste ambiente de formação intelectual das jovens que questionavam o seu lugar no mundo, na medida em que os estudos das escrituras colocavam no centro das discussões aspectos filosóficos, ontológicos que levariam as mulheres a se perguntarem sobre a sua condição. Streisand vem desse legado cultural e por isso pode inscrever em seu filme uma protagonista que parte em busca da liberdade, colocando o desejo pelo conhecimento acima de qualquer outro desejo seu.

Ficha Técnica


título original:Yentl
gênero:Musical
duração:2 hr 14 min
ano de lançamento: 1983
site oficial:
estúdio: MGM
distribuidora: MGM
direção: Barbra Streisand
roteiro: Jack Rosenthal e Barbra Streisand, baseado em livro de Isaac Bashevis Singer
produção: Rusty Lemorande e Barbra Streisand
música: Alan Bergman, Marilyn Bergman e Michel Legrand
fotografia: David Watkin
direção de arte:
figurino: Judy Moorcroft
edição: Terry Rawlings
efeitos especiais:

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Meu primeiro filme

Quando fui ao cinema pela primeira vez tinha 08 anos. O filme era uma animação da Disney - Cinderela.

Eu não me lembro muito bem desta experiência, apenas me recordo de que era algo diferente das diversões costumeiras (subir em árvores, nadar na praia, empinar arraia, pescar siris, etc). Ia ver a história de uma menina criada por sua madrasta que muito a maltratava, assim com as suas filhas, e que um príncipe seria a solução dos problemas da jovem ultrajada, chamada de gata borralheira, uma mulher que andava suja de borralhos (cinzas) ou que representava a sujeira, a pobreza. Esta, por sua vez, seria superada por meio do casamento com o príncipe, afastando-se não apenas dos maltratos, mas da pobreza.

Outros filmes me impressionariam mais, porém projetados na televisão, a exemplo de Lessie, com Liz Taylor bem meninota. O sucesso do filme foi tamanho que ganhamos um collie e o chamamos de Apollo, sim, porque coincidiu com a época do projeto Apollo, nome dado ao foguete que levaria o homem para a Lua.

Depois disso, os filmes passaram a ser vistos na televisão, pois a ida ao cinema era muito desgastante em razão da distância. Assitimos muitos clássicos, já que naquele momento a televisão adquiria da indústria cinematográfica os direitos de exibição. Os filmes exibidos na sessão da tarde eram dos anos 40 e 50 e o mais curioso de tudo isso é que  suspiramos enamoradamente pelos mesmos atores que minha mãe suspirava quando jovem, com a diferença de que, para nós, eles já estavam velhos ou mortos.

Meu tio me falou de cinema

A vida da gente daria um belo roteiro para um filme, por isso que a matéria-prima do roterista será sempre o cotidiano das pessoas.

Era um domingo e estávamos visitando uma parente em um hospital e foi ali que começamos a falar de cinema.

O meu tio tem aproximadamente 55 anos e foi criado na Roça da Sabina, bairro do Chame-Chame, Salvador. No dia que nos encontramos no hospital, conheci uma de suas faces e fiquei impressionada como ele foi formado pelo cinema: ele gosta mesmo é de faroeste e possui quase todos os filmes em casa. Soube da animação "Rango" por ele e logo fui adquirir uma cópia, já que venho estudando também os filmes de animação.

Um dos momentos interessantes da nossa conversa aconteceu quando mencionei o filme "os brutos também amam" (Shane), protagonizado por Alan Ladd. Lembro-me de ter falado sobre a maneira pela qual a mulher tinha se apaixonado pelo protagonista, e do sofrimento dela quando ele partiu, no que ele me corrigiu  dizendo que todos naquele filme, homens, mulheres e crianças, tinham sido de alguma forma tocados por Shane, se apaixonado por ele. Achei a intervenção do meu tio muito interessante, pois ele de fato tinha olhado o filme de uma forma diferente da minha.

Outro momento interessante da nossa conversa foi quando ele me falou sobre a sua experiência no cinema, sobre a leitura do filme. Os filmes não eram dublados, mas legendados, e ele gostava de recontar o filme para os amigos. No entanto, as pessoas perguntavam na época como ele conseguia contar a história. Ele acabou revelando que nem se dava conta de que não contava os diálogos como apareciam no filme, mas inventava falas e as performatizava quando estava como os amigos.

O cinema propiciou este encontro com a imaginação, com o reconto, enlaçando ideias, pensamentos, atitudes, valores. De fato, meu tio sempre foi um bom contador de histórias, mas não conhecia esta história da vida dele.

II CURSO CINEMA E MULHER

O II Curso Cinema e Mulher entrou em recesso natalino, mas retomará as suas atividades em fevereiro, nos dias 06 e 14, quando concluiremos o curso com um TCCEX.
Boas Festas!

Se for dar um presente neste Natal, dê um DVD ou um livro.

Minha tia me falava de cinema

Eu tinha 18 anos quando a minha tia-avó me falou de um casal de atores de quem ela gostava muito. Provavelmente estávamos conversando sobre cinema, mas não me recordo exatamente o quê. Imagino que ela, uma doceira nascida em 1914, não tivesse ido muito ao cinema em Salvador, até porque pegar o bonde da linha 12 para ir ao centro deveria ser muito difícil, além de outras possíveis dificuldades. A periferia era periferia mesmo. Nelson Eddy e Janeth MacDonald eram dois artistas de Hollywood que atuaram juntos em muitos filmes nos anos 30, quanto a minha tia-avó era uma jovem de vinte e poucos anos e deveria ter se encantado com um dos filmes protagonizados pelos dois.

Um outro filme pelo qual ela tinha muito apreço era Dio, Come Ti Amo, sobretudo pela música interpretada por Gigliola Cinquetti. Certa vez, quando a minha tia-avó ainda era viva, visitei-a com um namorado e enquanto estávamos conversando no sofá (era assim que se namorava, pelo menos na presença dos pais ou familiares), ela se levantou da outra sala e quase imperceptivelmente pegou o LP e pôs na vitrola, saindo discretamente em seguida, sem sequer nos dirigir o olhar. Não estudou cinema, mas sabia que um fundo musical melódico podia reforçar qualquer cena idílica.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Amanhecer, Breaking Down

No filme, Bella e Edward jogam xadrez
remetendo à capa do livro, um exemplo
de Tie In.
O filme que trata da primeira parte do último livro da escritora norte-americana Stephanie Meyer começa com o tão esperado e previsível casamento de Bella e Edward, para desgosto de Jacob, o lobo-amigo-de-infância que nutre um confuso amor pela protagonista. Confuso porque não se sabe se resultado de um imprinting, de uma amizade ameaçada com a aproximação do seu natural inimigo ou sentimento de propriedade fruto de uma competição com o vampiro.

Do ponto de visto ideológico, o filme destaca valores assegurados pelas instituições sociais: a família, a obediência (ao que é “certo”), o casamento e também deixa entrever que mesmo em caso de risco para a mãe, o feto deve ser considerado em primeiro lugar. As cenas são extremamente violentas porque mostram a protagonista magérrima que morre assim que dá a luz a uma criança. O aborto aparece como uma via impensável, mesmo que esteja destruindo a mãe, o que deixa claro a ideologia antiaborto do filme.

Mquiagem e recursos digitais
deixaram a protagonista cadavérica.
O filme também deixa muito claro que o aborto é uma decisão da mãe, incluindo a concepção. Durante a lua-de-mel, Edward parece não querer ter relações sexuais com Bella, temeroso com o que possa lhe acontecer, ao passo que Bella insiste. Este evento contribui para o sentido de que se ela engravidou foi em razão de sua impetuosidade humana, o que reforça a ideia machista de que é a mulher que seduz o homem e por conta disso todas as consequências devem ser atribuídas a ela. Edward deixa transparecer isso em uma de suas falas quando lembra a Bella de que eles seriam apenas um casal. Assim, a decisão pela concepção e continuidade ou não da perigosa gestação incide sobre a mulher, como se apenas ela participasse de todo o processo, deixando a difícil escolha para ela. Mesmo que seja uma opção difícil, não podemos deixar de notar no filme um discurso de que se as mulheres abortam ou não é em função de suas escolhas, o que não é totalmente verdade, já que no processo dessa escolha existem práticas discursivas que orientam a decisão, deixando entrever que para além das subjetividades, existem outras regulações simbólicas (leis, discursos punitivos e condenatórios, premiações, etc) que influenciam a atitude responsiva da mulher. O mito sacrifical materno aparece no filme para nutrir e orientar as espectadoras.
O filme termina de uma forma que nos remete a Avatar. Neste filme, quando a câmera em plano de detalhe se aproxima do rosto do protagonista, Jake Sulle, na direção dos seus olhos, eles se abrem subitamente para mostrar ao espectador que o personagem está vivo não mais como terráqueo, mas como ser de Pandora. Em Amanhecer, a mesma coisa acontece, sendo que para mostrar que Bella tinha passado para outra forma de vida, seus olhos não apenas se abrem, mas mostram as pupilas avermelhadas, como as de um vampiro.

Cabe nesta metáfora a ideia da passagem de uma vida para outra e que essa transposição depende da escolha de cada um. Uma vida seria a humana, da qual Bella abre mão para unir-se, em uma outra forma de existência, a Edward, o que nos remete à crença de uma vida após a morte. Tornar-se vampiro significa viver para sempre, adquirir imortalidade. De onde ecoam essas ideias. Vocês já ouviram isso antes?

sábado, 17 de dezembro de 2011

Sugestões TCCEX - II curso cinema e mulher

Amores possíveis, Sandra Werneck
Carlota Joaquina, Carla Camurati
A Falta que me faz, Marília Rocha
Meninas, Tata Amaral
Olhar estrangeiro, Lucia Murat
Pequeno dicionário amoroso, Sandra Werneck
A Via-Láctea, Lina Chamie
Hotel Atlântico, Suzana Amaral
A Hora da Estrela, Susana Amaral
As melhores coisas do mundo, Laís Bodanzky
Bicho de Sete Cabeças, Laís Bodanzky
Chega de Saudade, Laís Bodanzky
Antonia, o filme, Tata Amatal
Uma Vida em Segredo, Suzana Amaral
Avassaladoras, Mara Mourão
Como ser solteiro, Rosane Svartman
Topografia de um desnudo, Tereza Aguiar
É proibido fumar, Anna Muylaert

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O ENVELHECIMENTO EM UMA COMÉDIA-DRAMÁTICA


"Achei o filme muito feminino. Mulheres envelhecendo são vistas como uma tragédia e foi preciso uma cineasta mulher para ver diferente.” (Isabella Rosselini)



Isabella Rosselini e William Hurt no cemitério
Assisti no dia 04/12 ao filme "Late Bloomers", já referido neste blog, da diretora Julie Gravas. Confirmando o que havia dito antes, o filme trata de uma questão central: o envelhecimento. Os personagens Adam e Mary,  vividos por William Hurt e Isabela Rosselini, respectivamente, formam um casal sexagenário que experimenta todas as mudanças trazidas com o avançar da idade: limitações físicas, lapsos de memória, perda de lugar no campo profissional, perda da visibilidade social, entre outras questões. Acontece que mesmo envelhecendo juntos, a forma de Mary e Adam responderem ao envelhecimento é diferente: ele se preocupa em não perder espaço (e poder) no âmbito profissional, empenhando-se em um projeto arquitetônico para o qual não consegue patrocínio, contando apenas com jovens voluntários que em um determinado momento anunciam a necessidade de um apoio financeiro, de alguém que aposte em um projeto para a construção de um museu. Adam abraça a ideia e dá início ao projeto às escondidas, já que o projeto para o qual foi convidado a desenvolver é um espaço de convivência para velhos, o que ele obviamente evita assumir.


Já a esposa, preocupada com os lapsos de memória, empenha-se em se manter mentalmente em atividade, buscando ressocializar-se, já que não trabalha há muito tempo, diferentemente do marido, e por isso parte em busca de atividades sociais como voluntária para exercitar a memória que ela acredita estar perdendo. Além disso, tenta sentir-se sexualmente atraente, preocupando-se com aspectos relacionados à beleza a fim de se manter visível, o que para a mulher significa ser jovem.



“Não gostava muito de andar em Roma, com os caras assobiando, ou fingindo tropeçar e passando a mão na sua bunda. Sempre achei ameaçador, não me sentia lisonjeada. Quando isso foi embora com a idade, meio que gostei.” (Isabella Rosselini)




Adam passa a conviver com os estagiários e com isso muda a alimentação (passa a comer pizza, beber redbull); altera o horário de dormir (ao virar a noite em um bar); muda o vestuário (trocando a camisa social por uma jaqueta de couro preta), e se nega a ter em casa equipamentos e suportes que o façam se lembrar da idade. A esposa corta os cabelos, faz visitas frequentes ao espelho e resolve, por sugestão médica, fazer atividades físicas. No lugar onde faz natação, conhece um homem que resolve cortejá-la, o que os leva a ter um affair. Adam também tem a oportunidade de viver um momento íntimo, quando uma jovem estagiária se despe à sua frente, mas o ato sexual não se concretiza e o filme deixa transparecer o ponto de vista do personagem que atribui à idade da estudante a não consumação do gesto.

Do ponto de vista de gênero, o filme deixa explícito que a invisibilidade da personagem feminina passa pelo código social que a condiciona a existência da mulher à beleza e, por conseguinte, à juventude. A necessidade do cortejo já aponta para isso, o que não acontece quando o assunto é o trabalho, aparecendo como uma ação que independe de um reconhecimento profissional, como no homem, e mais uma intervenção social. Neste sentido, fica demarcado como a sociedade separa as atividades por gênero, sendo que no filme há um leve deslocamento de peso, já que a atividade voluntária passa a ser mais importante porque corresponde a realidade, enquanto que o projeto quixotesco, de construção de um museu, aparece já destinado a não existir, mal consegue sair da maquete.

Ao escolher o museu, acredito que a diretora buscou metaforizar o desejo da personagem em fixar o tempo, embalsamá-lo, mas já mostrando a impossibilidade. O filme mostra que o velho não tem que viver do passado, mas do presente, daí o centro de convivência aparecer com mais funcionalidade em um mundo que envelhece, mas que não permite que mulheres e homens envelheçam com dignidade, respeitando as suas dimensões humanas. Há uma cena hilariante em que Mary pensativa e deprimida com a sua invisibilidade se nega a aceitar a vaga de assento em um ônibus feita por um jovem.
Do ponto de vista geracional, o filme, ao confrontar mulheres de idades diferentes, destaca a superficialidade das mais jovens, fruto de uma sociedade veloz que não oferece tempo para dar consistência às ideias e ações. Na cena em que Rosselini vai visitar uma organização “filantrópica” e se autodeclara feminista, a jovem a encara sem conseguir disfarçar a sua indiferença, continuando a pronunciar frases aceleradas e vagas. O desrespeito às pessoas velhas que realizam naqiele espaço um trabalho voluntariado fez com que Mary irrompesse indignada de dentro de uma sala.

O filme é uma comédia-dramática ao estilo europeu, sobretudo em se tratando de uma diretora, mesclando questões sérias com leveza. Existem partes do filme que as emoções chegam a se confundir, pois não sabemos se rimos, se ficamos consternados com as dificuldades das personagens em envelhecer ou se contemplamos especularmente o estado de lucidez das personagens sobre o estar velho, o que implica em uma consciência de si em tensão com os sentidos que a sociedade projeta sobre o estado da velhice.



A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...