terça-feira, 31 de agosto de 2010

EXERCÍCIO DO VER

Ficamos atentos à direção de um filme, a produção e ao roteiro, mas pouca atenção damos ao fotógrafo ou a direção de fotografia. Se pensarmos bem, o olho do fotógrafo capta a alma da cena. É ele quem dá sentido a cena, reforça traços dramáticos ou engraçados, como na comédia. A fotografia de um filme, juntamente com a iluminação, envolve o espectador e o transforma em cúmplice. Desta forma, podemos dizer que graças a fotografia o cinema cumpre a função de entreter e emocionar. Um plano geral norteia o espectador para o lugar onde acontecerá uma ação, lançando-o para dentro do filme. Já um close up nos dá a carga dramática necessária para nos tornarmos empáticos aos personagens (ou não). Com isso não é difícil concluir como questões tão técnicas podem influenciar comportamentos.

É importante dominar a linguagem cinematográfica para identificarmos a ideologia de gênero nas escolhas das cenas e na forma da câmera se posicionar para dar um efeito que não é meramente estético, mas, ideológico. Não é para cumprir o propósito de entreter (aliás esse discurso é altamente ideológico), mas  para compor cenários que ajudem a reforçar estereótipos, como os de gênero. Com este raciocínio, penso como uma cena pode focalizar duas pessoas, um homem e uma mulher, por exemplo, materializando semioticamente as performances de gênero, seja mantendo o já estabelecido ou alterando-o, e quais os recursos usados para cumprir este propósito.

As cenas românticas, por exemplo, estão permeadas de fotografias-clichês. Basta assistirmos aos filmes de faroeste dos anos 50, nos quais os homens aparecem em posição mais elevada e as mulheres em posição mais abaixo, para vermos as estratégias usadas para direcionar comportamentos forjados pelas cenas. Os atores precisam ser mais altos que as atrizes, pois ocupar na tela um nível mais alto produz um efeito no espectador de mais importante ou, ainda, no caso dos homens em relação às mulheres, o que tem o papel de "proteger". Segundo Joseph Mascelli, em seu livro Os Cinco Cs do Cinema, "os homens podem parecer mais viris quando filmados de ângulos um pouco mais baixos, com a câmera apontando para cima". Na linguagem de cinema esta posição é chamada de contraplongê. Se observarmos bem, os filmes de ação, principalmente os  que trazem os super-herois, estão permeados de imagens captadas desta posição, de baixo para cima. Uma imagem exemplar é a do Demolidor estrelado por Ben Afleck ou então da Mulher-Gato papel vivido no cinema por Halle Barry.

Se colocar a câmera em posição contraplongê dar-se-á maior importância e poder ao personagem, o que dizer de outras posições da câmera que favorece mais a agressividade masculina e a suavidade feminina, reforçando os estereótipos de gênero? Se o protagonista é um homem, toda a ação converge para ele e dele emana para outros personagens, numa troca, com indas e vindas. Uma câmera que alterna a posição contraplongê e plongê, num jogo de plano e contraplano, com dois personagens homens, produz efeito diferente se caso um dos atores fosse uma mulher. Imaginem um homem visto em posição contraplongê por uma mulher, como se a câmera estivesse sobre os ombros dela ou no lugar dela (são dois pontos de vista distintos). É óbvio que a relação de poder seria atravessada por gênero, além de outras dimensões sociais (se houvesse), mas a de gênero seria inevitável porque em qualquer modelo de sociedade existem papéis normativos a serem desempenhados por homens e mulheres e a forma de representar um e outro depende do olhar de quem vê (ou de quem financia o projeto), lembrando que essa relação envolve disputas, poder. Um homem que representa outro homem tenderá a mostrá-lo de forma que o valorize e que acentue as  marcas de masculinidade aceitas pela norma. Já a mulher será representada em relação a ele, como objeto de seu desejo ou como a norma exige que ela atue.  Muitos dirão: mas os sujetos falam do lugar de suas experiências ou falam do lugar em que a situação lhes oriente. A questão é identificar que experiências estão sendo apresentadas para o espectador e se elas dão conta da diversidade. Mas aqui já é tema para outra postagem. Por agora, queria mesmo falar da fotografia dos filmes e não poderia encerrar a minha postagem sem falar na belíssima fotografia de "A Filha de Ryan", um filme que assisti na minha adolescência e cuja fotografia me impressionou bastante. Foi a primeira vez que tive consciência do efeito da fotografia no espectador e na composição da cena. Uma das cenas acontece quando Rose Ryan se deliciava nos braços do Major Dorian. A câmera captou uma cena mágica: dois fios muito finos (como as de uma teia de aranha) balançavam ao toque suave do vento e eram iluminados pelos raios do sol.
 
A fotografia nos ajuda muito a analisar os componentes da linguagem cinematográfica, mas, é a cena em movimento que nos oferece mais elementos para análise de uma sequência e o do seu efeito. Assim, podemos entender melhor a cena em que o Coringa, em Batman, O Cavaleito das Trevas, vivido pelo excelente e finado Heath Ledger, gira em torno da personagem feminina, com movimentos da personagem e da câmera que produzem o efeito de alguém que está tentando envolver outro, dominar quem está dentro do seu círculo. É de uma violência extraordinariamente sutil. O espectador sente isso porque a câmera, mesmo em posição objetiva, ora aproxima-se das personagens mostrando-as em close up ora se afasta para captar o cenário, com câmera em posição plongê. No meio desta cena estonteante, aparece Batman para cortar, interromper o estado de letargia em que todos se encontram. A cena dura alguns minutos, mas o suficiente para produzir um efeito de torpor no espectador. A mulher se encontra indefesa no  centro do círculo, resgatada pela presença do homem-morcego. O que os recursos cinematográficos fazem é manter o tempo de transferência do espectador no filme, evitando que ele se distraia ou pense. São filmes que explodem na tela, numa profusão de movimentos rápidos, intensos que mal dá para pensar, que dirá analisar os detalhes, somente sentir, mas uma sensação agressiva, sem calma ou tempo para um êxtase.

sábado, 21 de agosto de 2010

DANÇANDO PARA A VIDA, DE SANDRA GOLDBACHER

Sandra Goldbacher já havia dirigido e escrito o roteiro para o filme Retratos de uma Preceptora (The Governess, 1998) tendo como protagonista uma mulher de origem judaica que vai trabalhar em uma casa como governanta cujo proprietário é um homem de ciência que opera com fotografia. Rosina da Silva, nome da personagem, disfarçada de Mary Blackchurch, mostrando-se interessada pela pesquisa se torna uma assistente dedicada, descobrindo, a partir de referências da cultural judaica, como manter a fixação das fotos. A aproximação da governanta com o patrão durante as atividades de revelação fotográfica acaba por revelar também um sentimento avassalador. Em um dos encontros às escondidas, Rosina tira uma foto de seu amante em nu frontal, completamente despojado de qualquer convenção, o patrão ao ver a sua imagem toma um choque, pois se vê visto, inclusive por sua família.  Sem correspondência e diante do completo silêncio do amante, Rosina sai da casa e monta o seu próprio estúdio e passa a fotografar os judeus. Tempos depois ele a procura, mas ela já não se importa mais.


Este filme, inclusive, já foi comentado em outro momento neste blog e, se não me engano, foi o primeiro filme comentado.

Já em Dançando para a Vida (Ballet Shoes, 2007), Goldbacher dirige o roteiro escrito por duas mulheres: Heidi Thomas e Noel Strietfield (Mary Noel Streatfeild), sendo que esta também é a autora do livro que dá base para o roteiro. A história se desenvolve em Londres nos anos 30 e gira em torno de uma família formada por mulheres que viviam em uma casa pertencente a um homem cuja sobrinha era responsável pela educação das meninas. O tio não morava no imóvel, mas visitava a sobrinha. Durantes as suas visitas, levou três bebês órfãos para ela criar. As meninas cresceram e o tio passou um longo tempo sem vê-las, acentuando os problemas financeiros e também os problemas de saúde da sobrinha. As mulheres se veem forçadas a alugar os quartos da casa. Além disso, com o apoio dos inquilinos, resolvem colocar as três meninas, já crescidas, na aula de dança e teatro. As hóspedes eram duas professoras doutoras em literatura e matemática e uma professora de dança. Com isso as meninas foram se instruindo e, também, sendo encaminhadas para as atividades artísticas com o apoio de outras mulheres que estavam lhes abrindo caminho. Uma delas teve aulas particulares com uma dançarina russa; uma outra se tornou atriz e seguiu para Hollywood e a terceira tinha como sonho ser aviadora, pois na época havia uma mulher que pilotava avião. O filme destaca bem a vida difícil de mulheres pobres e o que elas precisaram fazer para se manterem vivas. A casa, o espaço da intimidade, tornou-se fonte de renda. As pessoas, que ali foram morar, de estranhas passaram a ser amigas e a dividir também as esperanças e sonhos comuns. Para aquelas mulheres já maduras, o sonho era fortalecer outros sonhos; era fazer com que aquelas meninas se tornassem mulheres igualmente talentosas para que pudessem ficar na história e servirem também de modelo para outras.

Título no Brasil: Dançando Para a Vida
Título Original: Ballet Shoes
País de Origem: Inglaterra
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 84 minutos
Ano de Lançamento: 2007
Direção: Sandra Goldbacher
Roteiro: Heidi Thomas e Noel Strietfield (baseado no livro de Noel Strietfield)

Elenco:
Emilia Fox ... Sylvia Brown
Victoria Wood ... Nana
Emma Watson ... Pauline Fossil
Yasmin Paige ... Petrova Fossil
Lucy Boynton ... Posy Fossil
Richard Griffiths ... Great Uncle Matthew
Marc Warren ... Mr. Simpson
Lucy Cohu ... Theo Dane

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...